Água, ar e solo seguem contaminados por metais pesados, mas Vale não apresentou sequer um Plano de Recuperação Ambiental para o caso
Assim como a água, o ar respirado na Bacia do Paraopeba está contaminado. As amostras da presença de metais pesados acima do permitido foram encontradas na região das cidades de Juatuba, Betim e São Joaquim de Bicas, e detectaram nível elevado de arsênio, cádmio, cromo, manganês, mercúrio e níquel. As crianças atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho, a cada ano que passa, estão com maior presença de metais pesados no corpo. Diferentes estudos realizados por instituições como as Assessorias Técnicas Independentes (ATIS), como AEDAS e Nacab, assim como pesquisas científicas desenvolvidas em instituições pública como a UNEPS, UFOP e FioCruz, dão conta de uma realidade alarmante em todo o meio ambiente da Bacia do Paraopeba.
O fantástico mundo da Vale
Apesar dos laudos técnicos, das investigações científicas e dos relatos dos atingidos, a Vale segue afirmando em seus meios de comunicação que a reparação ambiental na Bacia do Paraopeba segue de vento em popa. Em nota oficial divulgada em 25 de janeiro, a mineradora ressaltou que “dados indicam uma melhora progressiva na qualidade da água, com resultados iguais ou superiores aos registrados antes do rompimento”. Apesar disso, as entidades reguladoras das águas em Minas Gerais e no Brasil, não liberaram o uso do Rio Paraopeba nem para o consumo, nem para o lazer.
Guilherme Camponêz, integrante da Coordenação Nacional do MAB, avalia a declaração da mineradora como gravíssima. “É um absurdo a Vale fazer essa afirmação. Além de não ter lastro na realidade, essa fala coloca em risco a saúde dos atingidos. Causa desinformação e é uma estratégia que, como é sistemático da Vale, só visa melhorar a sua imagem na sociedade”, ressalta.
Camponêz se referiu à recente condenação das empresas Vale, Samarco e BHP Billiton, que no final do ano passado foram multadas em R$56 milhões, por uma campanha publicitária considerada pela justiça brasileira como uma “tentativa de controle da narrativa para criar uma campanha orquestrada de desinformação” e que “tentam romantizar a reparação, são destinadas à autopromoção e relativizam o sofrimento dos atingidos”, conforme ressaltou em decisão o juiz do caso Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível e Agrária do Tribunal Regional Federal da 6º Região (TRF-6).
Ainda sobre as alegações da mineradora, a Vale afirma que a saúde dos peixes do Rio Paraopeba são similares em áreas atingidas e não atingidas pelo rompimento. No entanto, análises realizadas pela Associação Estadual de Defesa Socioambiental (AEDAS), assessoria técnica independente que atende seis municípios atingidos da Bacia do Paraopeba, indicaram a presença de mais de 12 metais nocivos à saúde humana nas águas, sedimentos e peixes do Paraopeba. Além disso, 56% das amostras coletadas apresentaram graus de toxicidade que comprometem o ecossistema aquático. “Isso é grave, porque as pessoas plantavam, tinham o rio como fonte de renda, de lazer, de importância religiosa, e agora não podem mais usar o rio e não têm informações nem poder de ação de como será a reparação do meio ambiente”, pontua Cecília Godoi, da Equipe de Marcadores Sociais da Diferença da AEDAS.
Em outubro do ano passado, a Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais iniciou uma investigação para apurar a causa da mortandade de peixes no leito do rio entre os municípios de Betim, Juatuba e São Joaquim de Bicas. A situação veio à tona após os moradores flagrarem funcionários da Vale, equipados com proteção de contato, retirando peixes mortos do rio.
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Degradar o amanhã hoje
Não só as águas do Rio Paraopeba seguem sendo uma preocupação para os atingidos, mas também a qualidade do aquífero Cauê, principal reservatório de água subterrânea do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. Isto porque a Vale tem depositado na cava da mina do Córrego do Feijão os rejeitos dragados, e como a cava já havia alcançado as águas subterrâneas, a contaminação do aquífero é uma preocupação pertinente. A AECOM, empresa responsável pela auditoria das ações de reparação ambiental sobre o crime, afirma que monitora os poços e cisternas próximos à cava. No entanto, os resultados desses estudos não são divulgados ao povo, o que causa ainda mais apreensão sobre a real situação do manejo executado pela Vale.
Governo indiferente, reparação inexistente
Até 2024, a Vale deveria realizar a dragagem de, pelo menos, 54 km do Rio Paraopeba. No entanto, o último boletim elaborado pela assessoria técnica do Instituto Guaicuy, sobre os repasses da auditoria da AECOM, aponta que a Vale ainda está em execução da dragagem dos dois primeiros quilômetros atingidos. Ainda de acordo com o Guaicuy, em fevereiro de 2024 a Vale tinha realizado a dragagem de apenas 550 metros do rio. Para se ter uma ideia do quão irrisória tem sido a retirada até o momento, do local onde ocorreu o colapso da barragem até à Represa de Hidrelétrica de Retiro Baixo, território final da remoção integral dos rejeitos – conforme estabelecido no Acordo de Reparação – são 320 km de extensão. No total, o Rio Paraopeba possui uma extensão de 510 km.
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Para Maria Santana, atingida da cidade de São Joaquim de Bicas, os dados refletem o descaso com o meio ambiente e as pessoas. “O processo de reparação ambiental tem que começar pelo órgão contaminante, que é o rio, e ele continua cheio de rejeitos. A lentidão é demais. E talvez, quando resolverem fazer algo efetivo, possa ser tarde demais”, lamenta. “A gente se sente impotente, os bichos estão morrendo, o povo tá adoecendo e nada é feito. A Vale matou e continua matando com esse rio contaminado. Esse é o problema da demora na reparação”, denuncia.
Já Guilherme Camponêz, chama atenção para a flexibilidade do governo de Minas Gerais, em estabelecer métodos de acompanhamento e mecanismos de sanções para pressionar a Vale a cumprir os prazos estabelecidos no acordo. Até hoje, seis anos após o rompimento, a empresa ainda não finalizou sequer o Plano de Recuperação Ambiental. Além do plano, os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) também estão atrasados. O estudo terá cinco fases, e nem a primeira foi concluída O cronograma das análises, que vão identificar os riscos potenciais à saúde humana e ao meio ambiente pela presença dos rejeitos no solo e água da Bacia do Paraopeba, está atrasado em mais de um ano.
Além da falta de informação sobre o risco ao qual estão expostos, o atraso também traz danos no atendimento à saúde. Os atingidos entendem que os problemas de saúde provocados pelo rompimento devem ser reparados pela Vale, através do financiamento de um protocolo e uma política de saúde para as populações atingidas. “Quem tem problema de saúde não pode esperar. A nossa saúde está atacada, com muitos casos de câncer e ninguém faz nada “, questiona Santana.
No último dia 24, os atingidos entregaram uma carta de reivindicações aos compromitentes do Acordo de Reparação, ou seja, a Defensoria Pública e o Ministério Público de Minas Gerais e o Governo de Minas. No documento, os atingidos exigem, entre outros pontos, uma participação efetiva da população em todo o processo da reparação ambiental, principalmente no monitoramento das ações de reparação. A carta, ainda reforça que o direito à decisão e negociação sobre as formas, parâmetros e etapas da reparação aos atingidos por barragens é garantido na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), em vigor desde 2023. Os compromitentes estabeleceram um prazo de 10 dias úteis para dar um retorno sobre as reivindicações.
FONTE: MOVIMENTO DOS ANTIGIDOS POR BARRAGENS