Construídas com curvas muito sinuosas para contornar o relevo montanhoso entre Belo Horizonte e Vitória (ES), as rodovias são um desafio para empresas e governos
As BRs 381 e 262 são conhecidas dos mineiros por suas péssimas condições, que renderam à primeira a alcunha de Rodovia da Morte. A segunda registra menos óbitos em acidentes, mas o trecho entre Belo Horizonte e Manhuaçu é considerado atualmente ruim ou péssimo, conforme aponta levantamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Os trechos mais críticos das duas rodovias (na BR-381, entre BH e Governador Valadares; e na BR-262, entre BH e Vitória, no Espírito Santo) foram oferecidos em leilões do governo federal para a iniciativa privada em mais de uma tentativa, mas não houve interessados. Há uma expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anuncie nesta quinta-feira (8/2), durante visita a BH, planos para as rodovias.
O motivo para essa resistência seria o alto custo de duplicação das duas rodovias, construídas com curvas muito sinuosas para enfrentar o relevo montanhoso. Ainda assim, o governo federal pretende leiloar o referido trecho da BR-381 ainda este ano – o estudo para a concessão da BR-262 deve ficar pronto somente em 2025. A expectativa é realizar 13 leilões este ano e atrair R$ 122 bilhões em investimentos.
Desafio nas alturas
A construção da BR-262 entre Uberaba (MG) e Vitória (ES), na década de 1960, representou um avanço no transporte rodoviário do Brasil. Foram empregadas as melhores tecnologias de engenharia da época na chamada Rodovia do Paralelo 20, criada para atravessar o Brasil horizontalmente entre a capital capixaba e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, se conectando a estradas bolivianas e peruanas para tentar promover a integração entre os três países.
Especialmente em Minas Gerais, a BR-262 trouxe melhorias significativas. Com a sua inauguração, as viagens entre Uberaba e Belo Horizonte foram reduzidas de 30 horas para 10. A outra metade da rodovia, entre a capital mineira e o litoral capixaba, facilitou o trânsito de pessoas e mercadorias entre o estado e o porto de Vitória.
Um dos principais desafios durante a construção da BR-262 foi enfrentar a altitude. Isto porque a rodovia inicia no nível do mar e atinge, na sua parte mais alta, 1.174 metros de altura, num dos pontos da Serra do Caparaó.
“Teve muito corte em rocha, em solo, muitas pontes, porque há muitos rios que cortam a BR-262. De fato, foi uma obra audaciosa e de grande vulto para a engenharia na sua época de construção”, explica Patrício Pires, doutor em geotecnia e professor do Departamento de Engenharia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Trecho capixaba
A rodovia, contudo, se deteriorou ao longo das décadas. O último Mapa de Condição da Manutenção publicado pelo Dnit, com dados de novembro de 2023, mostra que a maior parte da BR-262 entre BH e a divisa com o Espírito Santo está em condições regulares e ruins e, nos segmentos mais críticos, em condições péssimas, conforme constatou a reportagem do Estado de Minas em viagens entre BH e a capital capixaba nos meses de janeiro de 2023 e deste ano.
Ao atravessar a divisa entre os dois estados, o cenário muda. Em solo capixaba, a estrada encontra-se em boas condições no que diz respeito à sua manutenção. O maior desafio que a BR-262 impõe são curvas sinuosas que cortam a Serra do Caparaó. Uma duplicação nos trechos do Espírito Santo pode exigir, inclusive, que parte da estrada seja fechada.
“A geologia dessa rodovia, especialmente o trecho no Espírito Santo, é um tanto complexa. Vejo claramente a necessidade da construção de túneis, viadutos, duplicações de pontes, e uma geologia que não é favorável. [A estrada] está muito encaixada. Há cortes em rocha na lateral da pista da rodovia, isso vai gerar um certo transtorno durante as obras, enquanto elas ocorrerem. Da mesma forma que a construção disso por si só se torna toda essa operação de duplicação da pista, de fato, muito mais onerosa”, afirma Pires.
BR-381: por que tão problemática?
Ao longo dos 300km que ligam BH a Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, os motoristas contam com poucos respiros de trechos duplicados. Apenas no trecho inicial da viagem (116km até João Monlevade), foi registrada a média de um óbito em acidente de trânsito a cada 3,6 quilômetros em 2022. Um dos fatores para esta falta de segurança está no próprio traçado da rodovia.
“Lá no passado, a ideia para tentar diminuir o custo foi contornar a montanha. Como você contorna a montanha? Você faz excesso de curvas. Fazendo excesso de curvas, você tem a possibilidade de ter uma maior quantidade de acidentes. Então, é uma região complicada, que merece e deve ter um investimento muito maior, porque são rodovias extremamente importantes”, explica Ronderson Queiroz Hilário, doutor em geotecnia e professor do Departamento de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E é justamente este traçado feito sob um relevo montanhoso que provoca resistência entre as empreiteiras nos leilões. Profissionais do mercado de construção civil consultados pela reportagem explicam que as empresas não participaram dos leilões passados da BR-381 devido ao alto custo de duplicação da estrada, já que o traçado horizontal (retas e curvas) e o traçado vertical (elevações e rampas) são “muito ruins” em função da topografia da região.
“Ao utilizar o traçado original [na duplicação], você tem que fazer um corte maior nas rochas ou fazer uma obra de terraplanagem. O custo para isso é alto. Por exemplo, a BR-040, já no Rio de Janeiro, corta a montanha a partir de túneis. Você foge dos problemas de topografia a partir de alguns viadutos. Isso torna oneroso. Então, muitas vezes, [as empresas] acabam desistindo”, explica Hilário.
Mudança de rota
Em 2022, o governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou leiloar o trecho da BR-262 entre BH e Vitória, junto da BR-381 entre a capital mineira e Governador Valadares, mas não houve interessados. No ano seguinte, o governo do presidente Lula mudou a estratégia e decidiu leiloar apenas o trecho da BR-381. Na data limite para a entrega de propostas, não houve interessados e o leilão foi cancelado. Foi a terceira tentativa de entregar o trecho à iniciativa privada – a primeira ocorreu em 2013.
O governo federal incluiu a rodovia no pacote de 13 editais de leilões previstos para 2024, anunciados pelo ministro dos transportes, Renan Filho (MDB). A pasta informou à reportagem que uma das possibilidades em estudo para tornar a concessão mais atrativa seria fazer com que parte das obras de duplicação fossem feitas pelo Dnit, “como forma de antecipar a execução dessas importantes obras para o povo mineiro”.
Em relação às condições da BR-262 em Minas Gerais, o Dnit informou, em nota, que “encontram-se em andamento os serviços atinentes aos contratos de manutenção e conservação rodoviária” e que estão inseridos nesses contratos “serviços como roçada, capina, limpeza de faixa de domínio, tapa-buracos, etc”.
A autarquia também informou que “existem projetos para a recuperação integral da BR-262” com previsão de execução no segundo semestre deste ano e que “até o momento foram recapeados aproximadamente 40 quilômetros na rodovia BR-262/MG, sob circunscrição do DNIT/MG”.
FONTE ESTADO DE MINAS