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Enredo da Viradouro, campeã no Rio, foi inspirado em livro de coautoria de pesquisador marianense

“Essa é a importância do enredo: é mostrar a beleza dessa história, a beleza do culto Vodum, a riqueza e a complexidade desse culto, que é de uma religião aberta, agregadora à África e dinâmica. Ela tem um ensinamento belíssimo, pela tolerância religiosa e pelo respeito com outras manifestações religiosas. É importante dar visibilidade a essa herança africana”explica Moacir Maia, doutor marianense.

O livro “Sacerdotisas Voduns e Rainhas do Rosário” (Editora Chão), de autoria do marianense Moacir Maia – doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e do professor Aldair Rodrigues – do Departamento de História do IFCH Unicamp -, inspirou o enredo “Arroboboi, Dangbé” da Unidos do Viradouro. A escola de samba de Niterói foi campeã do Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro 2024.

A Viradouro foi vitoriosa bem no ano em que o Sambódromo da Marquês de Sapucaí comemora o 40ª aniversário. A escola teve o melhor desempenho entre as 12 escolas de samba carioca do Grupo Especial: 270 pontos. Foi o terceiro título da escola, já que o segundo havia sido em 2020.

Moacir Maia

O Galilé conversou com o autor marianense Moacir Rodrigo de Castro Maia sobre a vitória. Ele é historiador, pesquisador associado ao NPHED/UFMG. Doutor em História Social pela UFRJ e especialista em História da África, da diáspora africana e História do Brasil Colonial.

Ao tratar sobre a importância do enredo, que tratou de sacerdotisas africanas, dos povos e costumes trazidos para o Brasil, ele destacou a representação da cultura Vodum, que veio ao país com a migração forçada.

Moacir Maia | Foto: Foca Lisboa

“É importante porque ainda é muito invisibilizado, esse passado, essa história africana, essa herança africana, que é tão importante e que faz parte da história e formação brasileira. Ela é muito desconhecida. É preciso desmistificar todo aquele universo negativo que foi criado ao longo dos séculos pela opressão contra os povos africanos e pelo processo cruel da escravização. É preciso desmistificar tudo aquilo do racismo religioso, que condena as religiões de matriz africana”relata.

Vodum

De acordo com o historiador, o enredo se inspira no livro, que trata sobre um reposicionamento de Minas Gerais na história, na tentativa de mostrar a grande presença dos povos do Golfo do Benim, da cultura Vodum e de outras culturas religiosas no estado. Em respeito ao culto, para que o enredo pudesse ser levado à avenida, foram jogados os búzios e houve autorização da entidade para a realização da homenagem.

Os voduns serpentes, como Dangbé – vodum homenageado no enredo – representam a força vital, a prosperidade, a riqueza, a fertilidade e, principalmente, o espírito da transformação e da continuidade da vida. Esse espírito é representado na figura da serpente que morde a própria cauda, mostrando um círculo de vida, que tem início, meio e fim: um eterno reconheço que está sempre em movimento e transformação.

Há dois séculos, o Reino de Daomé, atual Benin, na África Ocidental, tinha como proteção a força de uma elite de guerreiras. Assim, o enredo fala também das guerreiras do Daomé, o exército feminino. No culto, havia um ritual de sagração dessas guerreiras pelos voduns. Além disso, esse exército inspirou a representação de mulheres guerreiras nas telonas do cinema, como no filme “A Mulher Rei”, estrelado por Viola Davis.

Intolerância religiosa e racismo

Moacir ressalta a necessidade de políticas públicas para que a sociedade possa avançar e se tornar antirracista. Ele fala sobre o papel do Carnaval e das escolas de samba como espaços de sociabilidade, encontro e manifestação das artes de comunidades periféricas.

“O Carnaval tem uma função muito especial, não só o Carnaval especificamente, mas a escola de samba. Porque, se pensarmos, na fundação de várias dessas escolas, por exemplo, do Rio de Janeiro, elas surgem algumas décadas após a abolição da escravidão no Brasil e se localizam nas periferias do Rio de Janeiro. Elas se tornam um ponto de sociabilidade e de encontro daquela população que estava sendo colocada à margem pela sociedade brasileira daquele momento. Principalmente a população mais empobrecida, periférica; é essa a população que vai construir a escola de samba e a maior parte dessa população é negra, muitos são de origem africana. São afro-brasileiros, em sua maioria, que fundam a escola de samba”discorre.

Para o historiador, a escola de samba cumpre um papel social essencial em diversos níveis. Os enredos retratam questões importantes da vida brasileira e passam a desmistificar e “desdemonizar” temas, religiões e assuntos. “A escola de samba nos ensina […]. Mostra a complexidade da vida, a heterogeneidade, a diversidade e a importância do respeito ao outro: ao que é igual ou ao que professa alguma coisa que você não professa. É o respeito, é uma sociedade que evolui a esse outro espaço”, Moacir reforça.

Livro de Moacir (Arquivo Nacional) que deu origem à pesquisa inicial dos enredos

Considerado o maior espetáculo da face da terra, o Carnaval do Rio de Janeiro sempre traz temas relevantes e discussões interessantes. Além disso, os compositores e enredistas sempre procuram valorizar as diversas formas de conhecimento, como história e antropologia. Ocorre, anualmente, a valorização da ciência e da arte na brasilidade em um só espetáculo. Pensando nisso, Moacir agradece pela valorização de seu trabalho.

“Como historiador, como profissional da história, para mim e para o Aldair, é uma alegria muito grande perceber como esse livro que publicamos encantou e inspirou uma escola de samba a olhar para uma cultura africana, para essa herança que temos no Brasil, para esse passado e presente brasileiro. E poder, então, tocar a partir desse desfile, tantas outras pessoas”destaca Moacir.

FONTE JORNAL GALILÉ

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