Para além de cigarros e bebidas alcoólicas, a proposta do governo de regulamentação da reforma tributária prevê a incidência do chamado “imposto do pecado” sobre carros, aeronaves, embarcações, bebidas açucaradas, petróleo, gás natural e minério de ferro.
Todos esses itens estão no rol de produtos que terão a incidência do futuro imposto seletivo, previsto na emenda constitucional da reforma promulgada no ano passado e voltado a desestimular o consumo de produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente.
A lista consta do primeiro projeto de lei complementar que regulamenta a reforma, entregue na quarta-feira (24) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O texto não traz as alíquotas do imposto seletivo, que serão definidas posteriormente por meio de lei ordinária.
Apesar da pressão de profissionais médicos e de recomendação do Ministério da Saúde, alimentos ultraprocessados ficaram de fora dos alvos do novo tributo.
A parte constitucional da reforma já estabelecia que operações com energia elétrica e com telecomunicações serão imunes ao imposto seletivo. Além disso, bens e serviços contemplados pela alíquota reduzida do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) também ficarão livres do “imposto do pecado”, bem como serviços de transporte público coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano.
No calendário da reforma, o imposto seletivo passa a vigorar a partir de 2027, em substituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que hoje cumpre a função extrafiscal de regulação do mercado.
Imposto seletivo sobre veículos, aeronaves e embarcações
Segundo o governo, a incidência do tributo sobre carros, aeronaves e embarcações justifica-se “por serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem”. No caso dos veículos automotores, serão atingidos mais especificamente aqueles classificados como automóveis ou veículos comerciais leves.
Conforme o texto, a alíquota final do imposto seletivo, nessa categoria, vai variar, a partir de uma alíquota base, dependendo dos seguintes critérios:
- potência do veículo;
- eficiência energética;
- desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção;
- reciclabilidade de materiais;
- pegada de carbono; e
- densidade tecnológica.
Veículos classificados como “sustentáveis” serão poupados do “imposto do pecado”, tendo a alíquota do tributo zerada. Para isso, precisarão se enquadrar em determinados índices dos seguintes critérios:
- emissão de dióxido de carbono;
- reciclabilidade veicular;
- realização de etapas fabris no Brasil; e
- categoria do veículo.
O projeto prevê ainda isenção do imposto seletivo sobre carros vendidos a pessoas com deficiência ou a taxistas.
Imposto seletivo sobre produtos de fumo e bebidas alcoólicas
Entre os produtos fumígenos que terão o tributo entram, além do cigarro: charutos, cigarrilhas, cigarros artesanais, tabaco picado, fumo para cachimbos, tabaco para narguilé, entre outros.
A forma de incidência do imposto seletivo, pela proposta, será igual à já aplicada na produção de cigarros por meio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ou seja, uma combinação de alíquotas ad valorem (que varia com o valor do produto) e específica.
A tributação sugerida para bebidas alcoólicas seguiria o mesmo modelo, com uma alíquota específica por quantidade de álcool e uma alíquota ad valorem. O modelo é o defendido pela indústria cervejeira, em oposição a produtores de bebidas destiladas, como cachaça, gim e vodca, contrários à taxação gradativa.
O recolhimento, segundo o projeto, será feito uma única vez, na primeira comercialização da bebida pelo fabricante, exceto em situações como importação, arrematação em hasta pública (leilão de bens penhorados) e transferência não onerosa.
Uma das categorias alvo do “imposto do pecado” que mais deve gerar polêmica é a de bebidas açucaradas, que inclui refrigerantes. A possibilidade de uma sobretaxação de alimentos e bebidas considerados prejudiciais à saúde é rejeitada por 90% dos brasileiros, mostrou pesquisa encomendada pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).
O mesmo levantamento mostrou que 86% dos entrevistados são contra aumento de impostos sobre alimentos e bebidas de forma geral e que 85% defendem a redução da atual carga tributária sobre os produtos.
O governo justifica a decisão alegando haver “consistentes evidências de que o consumo de bebidas açucaradas prejudica a saúde e aumenta as chances de obesidade e diabetes em diversos estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde [OMS]”.
Ainda segundo a justificativa do projeto de lei complementar, a tributação foi considerada pela OMS como um dos principais instrumentos para conter a demanda deste tipo de produto. Segundo a entidade, 83 países membros já tributam bebidas açucaradas, especialmente refrigerantes.
A proposta é que a tributação ocorra na primeira venda do fabricante, na importação ou no arremate em hasta pública.
Imposto seletivo sobre extração de ferro, petróleo e gás natural
A incidência do imposto seletivo sobre a extração de minério de ferro, petróleo e gás natural ocorreria na primeira comercialização pela empresa extrativista, incluindo os casos em que o minério tenha como finalidade a exportação. Há ainda a hipótese de incidência na transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido.
Nas situações em que as empresas utilizem o minério extraído em sua própria cadeia produtiva, o fato gerador foi definido como o consumo do bem mineral, cuja base de cálculo será definida por um preço de referência. O projeto prevê a redução a zero da alíquota para o gás natural que seja usado como insumo em processo industrial.
Antes mesmo de o governo apresentar a proposta de produtos a serem sobretaxados com o imposto seletivo, os setores de mineração e de petróleo e gás já se manifestavam contra a inclusão dos produtos na lista.
Isso porque minério de ferro e petróleo são dois dos principais produtos de exportação do país, que envolvem investimentos pesados em exploração e produção, e a sobretaxação poderia ser um desestímulo para o setor. Além disso, o aumento da tributação tende a chegar, por exemplo, ao preço de combustíveis na bomba para o consumidor final.
FONTE GAZETA DO POVO