Assim como estado gaúcho, governo Zema flexibiliza legislação ambiental em MG e põe em risco os mineiros
Nas últimas semanas, o Brasil e o mundo assistem atônitos à tragédia pelo Rio Grande do Sul, após chuvas intensas e enchentes que atingiram quase 1,5 milhão de gaúchos. Especialistas alertam que o cenário é efeito das mudanças climáticas, aceleradas pela atividade de grandes empreendimentos e pela falta de medidas de contenção a eventos extremos.
Segundo eles, em todo o país, existe uma “onda” de flexibilização das legislações ambientais, deixando os territórios mais suscetíveis a situações emergenciais. Em 2019, por exemplo, o governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), retirou quase 500 artigos do Código Estadual de Meio Ambiente, alegando buscar criar um “ambiente de negócios”.
Se o que ocorreu no RS ocorresse aqui, poderia gerar uma tragédia ainda maior
“Sem dúvidas, o afrouxamento da legislação ambiental contribui para as questões ambientais e climáticas que estamos vivendo hoje. Essa flexibilização vem ocorrendo há mais de 20 anos e tem relação com a virada neoliberal dos anos 80 e 90. As normas ambientais surgem dentro de um contexto de uma sociedade com um modelo econômico que é explorador da natureza, urbana, industrial e capitalista”, explica Andréa Zhouri, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“As normas sempre foram a reboque da economia e, com isso, na medida em que a economia vai exigindo, essas normas vão sendo afrouxadas. Em tempos recentes, essa flexibilização tem acontecido de forma mais explícita, violenta e rápida”, complementa.
E em Minas Gerais?
Assim como no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, o Romeu Zema (Novo) leva adiante desde os primeiros dias de sua gestão um processo de intensificação da flexibilização das normas de controle ambiental, em especial nas regras para a concessão de licenciamentos para grandes empresas, principalmente mineradoras.
“É um governo que tem demonstrado pouco interesse, conhecimento e sensibilidade para as questões socioambientais. É um governo privatista e empresarial que transfere para as empresas o poder de governar. É uma política muito nociva às questões ambientais, territoriais e de patrimônio cultural e histórico do estado”, destaca a professora da UFMG.
Para as mineradoras, tudo
A atividade minerária é considerada uma das principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), que provocam o aquecimento global. Um estudo, publicado em 2021 pela consultoria McKinsey, indica que a mineração é responsável por aproximadamente 7% de toda a emissão, a partir da atividade humana, dos GEE. Se forem consideradas as emissões indiretas, pode chegar a 28%.
Uma das formas encontradas pelo governador para facilitar a entrada das mineradoras nos territórios foi a regularização por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Na prática, o TAC é um dispositivo que permite que as empresas atuem provisoriamente em determinada área, ou seja, sem licenciamento ambiental.
Além disso, apenas no fim de 2021, a gestão Zema assinou cinco acordos de ampliação de extração com mineradoras.
Em sua primeira eleição, 11% do financiamento da campanha eleitoral de Romeu Zema veio de doações de sócios de mineradoras.
Mudanças na fiscalização ambiental
Ao longo dos últimos anos, Romeu Zema trocou 11 vezes a chefia de fiscalização ambiental do estado. Além disso, alterou a estrutura administrativa da Secretaria de Meio Ambiente (Semad) e indicou nomeações políticas para cargos estratégicos.
Em 2022, por exemplo, o governador nomeou Marília Palhares Machado como presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Ela é prima do diretor executivo da Taquaril Mineração S/A (Tamisa), empresa que busca minerar parte da Serra do Curral, em Belo Horizonte.
Já em abril do ano passado, o governador aprovou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) uma Reforma Administrativa que, entre outras mudanças, transferiu as competências do licenciamento ambiental para a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Até então, a responsabilidade era da Semad, que passou a responder apenas pela fiscalização.
Na época, ambientalistas avaliaram que a medida tem como objetivo acelerar a autorização para empreendimentos e argumentaram que não houve estudos técnicos que justificassem a mudança.
Áreas verdes ameaçadas
Além da Serra do Curral, pelo menos outras sete serras estão ameaçadas por projetos minerários em Minas Gerais: Piedade, Gandarela, Moeda, Rola Moça, Brigadeiro, Caparaó e Espinhaço.
Ao mesmo tempo, em 2020, o governo de Jair Bolsonaro (PL) junto à gestão Zema firmou um acordo com a Vale que converteu multas aplicadas à mineradora pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em “investimentos” em sete parques nacionais localizados no estado: Caparaó, Grande Sertão Veredas, Caverna do Peruaçu, Sempre-Vivas, Serra do Gandarela, Serra da Canastra e Serra do Cipó.
Na época, especialistas avaliaram que, na realidade, as estruturas foram colocadas sob controle da mineradora.
Consequências
Para o professor e coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão Mineração e Alternativas (Minas) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Tadzio Coelho, o estado de Minas Gerais já sofreu grandes impactos pelo desmonte das políticas ambientais.
“O rompimentos de barragens de rejeitos tem a ver com essa flexibilização da legislação ambiental, foram em grande parte resultado disso. Inclusive, existem outras barragens sem estabilidade atestada pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Isso está ocorrendo nesse exato momento”, comenta o pesquisador.
Segundo a ANM, existem atualmente 46 barragens com algum nível de alerta ou emergência em MG.
Euler de Carvalho Cruz, presidente do Instituto Fórum Permanente São Francisco, avalia que o cenário é alarmante e pode pegar a população mineira de surpresa.
“As consequências de todo o desmonte que está sendo feito pelo governo Zema poderão ser funestas, com maior supressão de áreas de matas e de cerrados, enchentes devastadoras, redução do volume e contaminação de águas subterrâneas, menor resiliência às secas, aumento das áreas de mineração nas regiões densamente povoadas, com todos os impactos que a mineração provoca”, enfatiza.
Qual deveria ser o papel do Estado?
Para os especialistas, diferente do que vem sendo praticado, o Estado deveria criar uma estrutura de combate e prevenção às mudanças climáticas e seus efeitos.
“Se o que ocorreu no Rio Grande do Sul ocorresse aqui em Minas Gerais, pela quantidade de barragens, poderia gerar uma tragédia ainda maior. É preocupante o atual cenário, pela flexibilização da estrutura existente e pela ausência de políticas”, alerta Tádzio Coelho.
Andréa Zhouri enfatiza que são necessárias medidas a curto, médio e longo prazo, que vão desde o cuidado imediato com as pessoas atingidas por eventos extremos até a promoção do debate sobre novos modelos de cidades mais sustentáveis.
“Precisamos construir cidades que possam efetivamente absorver a quantidade de água que cai eventualmente e, levar mais a sério as questões ambientais, considerando que a economia não está à frente da vida. Pensar modelos de cidade mais sustentáveis”, destaca a professora da UFMG.
O outro lado
Procurado pela reportagem para comentar sobre as denúncias, o governo de Minas não respondeu até o fechamento da matéria.
FONTE BRASIL DE FATO