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Vale do Lítio: a região no interior de MG que despertou o interesse de empresas estrangeiras

Considerado estratégico para a transição energética, metal ganhou destaque com aumento na produção dos carros elétricos como matéria-prima para as baterias. Brasil é o 5º maior produtor mundial de lítio, e maior parte vem do Vale do Jequitinhonha.

Em meio ao esforço global para reduzir o uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) e ampliar a capacidade de energia renovável, o lítio, considerado estratégico nessa transição energética, colocou uma região no interior de Minas Gerais no foco de empresas estrangeiras: o Vale do Jequitinhonha, responsável pela maior parte da produção do metal no Brasil.

De cor branca acinzentada, o lítio tem aplicações diversas na indústria e ganhou destaque com o aumento na produção dos carros elétricos, já que é utilizado como matéria-prima para as baterias de longa duração desses veículos considerados menos poluentes.

Contexto: A primeira empresa estrangeira começou a explorar o lítio na região em 2023, e há mais três mineradoras de outros países em fase de estudos para implantar outros projetos, uma delas com previsão para implantação ainda em 2024. Composta por municípios do norte e do nordeste de Minas Gerais com alguns dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), a região ganhou a denominação de “Vale do Lítio”.

? O IDH é composto de três indicadores, longevidade, educação e renda, e varia de 0 a 1. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, quanto mais próximo de 0, menor o desenvolvimento humano. No Vale do Lítio, a cerca de 600 km de Belo Horizonte, esse indicador varia de 0,582 a 0,701.

Interior de MG na mira da corrida pelo lítio — Foto: g1
Interior de MG na mira da corrida pelo lítio — Foto: g1

O lítio já era explorado no Vale do Jequitinhonha décadas atrás pela Companhia Brasileira de Lítio, mas quando a multinacional canadense Sigma instalou sua planta de exploração no ano passado em Araçuaí, cidade com pouco mais de 34 mil habitantes, o grande número de trabalhadores chamados para a construção do projeto mudou a rotina do local.

“Nós vivenciamos uma movimentação muito intensa em hotéis, restaurantes, pousadas, supermercados… os imóveis que tinham aluguel de R$ 1 mil passaram a custar R$ 5 mil, Araçuaí recebia dois, três jatos por dia”, lembra o presidente da Associação Comercial Industrial da cidade, Marcos Antônio da Costa Miranda.

Aposentado do banco e agora no ramo de hotelaria em Araçuaí, Maurício Martins Andrade teve que dobrar sua capacidade de hospedagem em 2023 para atender à demanda.

“A cidade passou por um crescimento muito rápido, com valorização de imóveis, movimentação no comércio e empregos sendo gerados”, disse o empresário.

Empresário do ramo de hotelaria dobrou sua capacidade de atendimento por conta da demanda do lítio — Foto: Maurício Martins Andrade/arquivo pessoal
Empresário do ramo de hotelaria dobrou sua capacidade de atendimento por conta da demanda do lítio — Foto: Maurício Martins Andrade/arquivo pessoal

Há seis anos com um restaurante na mesma cidade, Mizael Santana Silva também teve que aumentar sua capacidade de atendimento e fechou contrato com duas empresas terceirizadas que trabalharam na implantação da mesma obra citada por Maurício.

“No pico, somente com essas duas empresas, nós chegamos a fornecer 400 marmitas por dia. Por conta da demanda, cheguei a ficar com 50 funcionários de carteira assinada, agora somos metade disso. Como o setor estava muito aquecido, pelos menos outros cinco restaurantes como o nosso foram abertos”, relata Silva.

O empresário fala que após a construção da primeira planta de exploração do lítio, o movimento em seu comércio caiu 80%, mas que já espera ver a demanda aumentar novamente quando as novas empresas começarem as obras das suas plantas.

“Foi um cenário que nós nunca tínhamos visto. Agora, estamos na expectativa da chegada de novas empresas, iremos nos estruturar de uma forma para não sentirmos tanto quando o pico passar”, diz.

➡️Afinal, o que é o lítio?

De olho na exploração de lítio, empresas estrangeiras investem em estudos para exploração do metal no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV globo
De olho na exploração de lítio, empresas estrangeiras investem em estudos para exploração do metal no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas Gerais — Foto: Reprodução/TV globo

? No Brasil, o lítio é extraído do espodumênio, um mineral que se forma em rochas chamadas pegmatito, entre 18 km e 26 km de profundidade, mas depois se realoca mais próximo da superfície, em até 200 metros. Em outros países, como Chile, Argentina e Bolívia, o metal é retirado dos desertos de sal.

? Insumo com aplicações diversas, o lítio é utilizado nas indústrias farmacêutica, de cerâmica e de graxas lubrificantes, além da fabricação de baterias que fazem parte de vários equipamentos eletrônicos, como computadores e celulares.

? Mas o lítio ganhou destaque na economia global devido à sua grande capacidade de armazenamento de energia em um espaço relativamente pequeno, e virou matéria-prima para as baterias que compõem carros elétricos, como explica o geólogo e professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Leonardo Azevedo Sá Alkmin.

“Na minha opinião, o ‘boom do lítio’, que foi o aumento global de 41% no consumo dessa commodity em 2022 com relação ao ano anterior, foi o grande fator de atração para que outras empresas se interessassem pelo metal. Ainda, o uso do lítio na produção de baterias recarregáveis teve um papel relevante, visto que houve um aumento na produção e busca por carros elétricos”, afirma o geólogo.

Para o especialista, esse aumento na produção está atrelado ao fato de o lítio “ser uma promessa para auxiliar na transição energética para uma matriz cada vez menos dependente de combustíveis fósseis e mais sustentável, fornecendo baterias que podem ser recarregadas por fontes menos poluentes, gerando menos impactos negativos no meio ambiente”.

Produção de lítio no Brasil

A importância estratégica de Minas Gerais na produção de lítio pode ser entendida por meio dos números do Ministério de Minas e Energia: toda a produção do metal em 2023 – estimada em 15,2 mil toneladas de lítio contido avaliadas em R$ 2,7 bilhões – veio do estado, principalmente do Vale do Jequitinhonha, que tem esse nome por causa do rio que corta a região.

O Brasil é o quinto maior produtor mundial do metal, atrás de Austrália, Chile, China e Argentina. De olho em todo esse potencial, o governo de Minas lançou em maio de 2023 na Nasdaq, bolsa de valores dos Estados Unidos que reúne empresas de inovação e tecnologia, o projeto Vale do Lítio, para atrair investimentos voltados à extração, processamento e pesquisa do metal.

Dados do governo de MG apontam que o projeto já atraiu R$ 5,5 bilhões em negócios, permitiu a geração de mais de 10 mil empregos diretos e indiretos e contribuiu para a arrecadação de R$ 55,1 milhões de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) paga aos municípios.

Primeira empresa a explorar o potencial do lítio em Minas Gerais, a Companhia Brasileira de Lítio foi fundada em 1985 e está em operações contínuas desde 1991. Atualmente, 750 pessoas trabalham nos processos realizados nas cidades de AraçuaíItinga e Divisa Alegre, e, segundo o CEO da empresa, Vinícius Alvarenga, 95% da demanda de produção é para as baterias.

Da Mina da Cachoeira, em Araçuaí, a CBL retira as rochas que possuem o espodumênio. O local possui galerias que atingem até 220 metros de profundidade e 14 quilômetros de extensão, com capacidade de produção de 45 mil toneladas de concentrado de espodumênio por ano. Na unidade, o material passa ainda por beneficiamento para depois seguir para a planta química, localizada em Divisa Alegre.

“A indústria de mineração é muito sofisticada e cheia de processos complexos, nós fazemos uma primeira industrialização do lítio. Talvez no imaginário popular, é aquela visão do garimpo, mas lidamos com processos complexos e condições de trabalho sofisticadas”, diz Vinícius Alvarenga.

Sobre a chegada das novas empresas, o CEO reconhece os benefícios com geração de empregos com maior qualificação e salário, as contrapartidas sociais que deverão ser feitas, a atração de fornecedores de serviços e equipamentos e um maior apelo para fazer reivindicações para o poder público. Por outro lado, a mão-de-obra técnica de base, como mecânicos, eletricistas e soldadores, que já é escassa, será ainda mais disputada.

Geólogos em trabalho de campo no Vale do Jequitinhonha — Foto: Atlas Lithium
Geólogos em trabalho de campo no Vale do Jequitinhonha — Foto: Atlas Lithium

Para tentar amenizar o problema da formação profissional, a CBL e a Federação das Indústrias de Minas Gerais estão se unindo para trazer novamente uma unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial para Araçuaí.

A demanda crescente por lítio no mundo fez com que a CBL desenvolvesse estudos para avaliar a implantação de um programa de expansão, que prevê a duplicação da produção da unidade de mineração e triplicação da unidade de planta química. Ainda não há um prazo para que isso ocorra.

“A CBL demonstra que no Vale do Jequitinhonha é possível a implantação de projetos de classe mundial com alta verticalidade, desde o recurso mineral até produtos de altíssimo valor agregado, já prontos para uso na indústria de lítio, fazemos isso com competitividade internacional. Nossos colaboradores em grande maioria são oriundos do Vale, há talentos na região para desenvolver essa operação de alto padrão”, afirma Alvarenga.

Chegada de novas empresas estrangeiras

Primeira empresa estrangeira a se instalar na região, a Sigma fez o envio de sua primeira carga de lítio, 30 mil toneladas, para a China em julho de 2023, onde o metal é usado principalmente para fabricação de baterias de veículos elétrico. A empresa também realiza a extração de minério de espodumênio que, posteriormente, é processado em concentrado de lítio.

Atualmente, segundo o Ministério de Minas e Energia, pelo menos mais três empresas estrangeiras estão em fase de pesquisa na região do Vale do Jequitinhonha. A também canadense MG LIT (Lithium Ionic) e a norte-americana Atlas Lithium são duas delas.

Mina da Cachoeira, em Araçuaí — Foto: CBL
Mina da Cachoeira, em Araçuaí — Foto: CBL

“Nos próximos três anos, a estimativa de investimentos, com o desenvolvimento da primeira operação de produção na Mina da Bandeira e na planta de beneficiamento, é de aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Além disso, as pesquisas nas demais áreas da empresa vão continuar e devem ser investidos em média R$ 100 milhões anualmente”, afirma o presidente da MG LIT, Helio Botelho Diniz.

A empresa canadense já investiu R$ 200 milhões nos levantamentos feitos nos municípios de ItingaAraçuaí e Salinas. A expectativa é de que a fase de construção do Projeto Bandeira comece em 2024, com produção comercial que pode chegar a 180 mil toneladas por ano. Inicialmente, o produto tem como foco o mercado internacional, dominado pela China.

Já a americana Atlas Lithium assinou protocolo de investimentos de R$ 1 bilhão com o governo de MG. A empresa afirma que possui 95 direitos minerários em 539 km², o que faz com que sua área seja a maior entre todas as que atuam ou pretendem atuar na região. A estimativa é de que o projeto seja implantado ainda neste ano.

“Em sua primeira fase, a empresa vai comercializar até 150 mil toneladas de concentrado de lítio por ano, exportando para seus parceiros comerciais Yahua e Chengxin, na China, 120 mil toneladas. Para seu parceiro Mitsui, no Japão, 15 mil toneladas, e reservando 15 mil toneladas para o mercado spot [transações comerciais realizadas com pagamento à vista e pronta entrega da mercadoria]”, detalha o CEO, Marc Fogassa.

Lítio verde sendo despejado em navio no Porto de Vitória com destino à China.  — Foto: Vitor Jubini/Rede Gazeta
Lítio verde sendo despejado em navio no Porto de Vitória com destino à China. — Foto: Vitor Jubini/Rede Gazeta
Uma das cidades impactadas pelo interesse por lítio, Araçuaí possui 34.297 habitantes — Foto: MG LIT
Uma das cidades impactadas pelo interesse por lítio, Araçuaí possui 34.297 habitantes — Foto: MG LIT

FONTE G1

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