Nova proposta aprovada pelo Congresso elimina a exigência de vistoria veicular nos Detrans, transferindo a responsabilidade aos motoristas e provocando controvérsia entre especialistas sobre segurança, fraudes e os efeitos no comércio de automóveis usados em todo o país.
A recente aprovação do Projeto de Lei nº 3.965/2021 pelo Congresso Nacional deve alterar profundamente o cotidiano dos motoristas brasileiros.
A nova legislação, que agora aguarda sanção presidencial, põe fim à vistoria obrigatória de veículos realizada pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans), medida que há décadas fazia parte do processo de transferência e regularização de automóveis no Brasil.
Segundo o texto aprovado, a responsabilidade pela inspeção veicular passa a ser inteiramente dos compradores e vendedores.
Com a mudança, o Estado deixa de ter papel direto na verificação de itens de segurança, procedência e autenticidade de veículos em circulação e em negociação.
A medida é considerada um avanço por parte dos defensores da desburocratização, mas enfrenta forte oposição de entidades ligadas ao setor público e à segurança no trânsito.
Fim da vistoria obrigatória de veículos preocupa especialistas
A Federação Nacional dos Sindicatos Estaduais dos Servidores dos Detrans Estaduais, Municipais e do Distrito Federal (Fetran) divulgou carta aberta solicitando ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que vete os trechos do projeto que extinguem a vistoria.
A entidade argumenta que a ausência de fiscalização compromete a legalidade da transferência de propriedade e abre caminho para fraudes e irregularidades.
De acordo com a Fetran, a vistoria obrigatória de veículos atua como um mecanismo de contenção preventiva, dificultando o comércio de peças furtadas e o uso de veículos adulterados.
Entre os pontos criticados está a flexibilização da Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que desde dezembro de 2013 regula os procedimentos para a transferência de propriedade.
Pela nova lei, esse processo poderá ser feito apenas entre as partes interessadas, sem qualquer verificação estatal, o que, segundo especialistas, enfraquece o controle sobre a regularidade documental e técnica dos veículos.
Impactos para motoristas e o mercado de usados
O fim da exigência da inspeção veicular pode afetar diretamente o consumidor, sobretudo os motoristas de baixa renda, que frequentemente recorrem ao mercado de veículos usados.
Sem uma vistoria oficial, esses compradores ficarão mais expostos a riscos como adulterações no chassi, problemas estruturais e falhas de segurança que poderiam ser detectadas por um agente público qualificado.
A proposta também impacta o mercado de veículos usados, que movimenta bilhões de reais por ano e sustenta uma extensa cadeia de empregos, desde oficinas mecânicas e lojas de autopeças até seguradoras e plataformas digitais de revenda.
Na avaliação da Fetran, a retirada do controle público da vistoria obrigatória de veículos pode reduzir a confiança no setor, afetando diretamente o valor de revenda e a competitividade entre vendedores.
Exame toxicológico e CNH Social também fazem parte da nova lei
Além da extinção da vistoria, o Projeto de Lei traz outras alterações relevantes para os motoristas.
Entre elas, a instituição da obrigatoriedade do exame toxicológico para todos os condutores, independentemente da categoria da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Também foi aprovada a criação da chamada “CNH Social”, que garante a gratuidade do processo para cidadãos de baixa renda cadastrados no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
O texto ainda estabelece que recursos arrecadados com multas de trânsito devem ser direcionados a ações de educação, fiscalização e engenharia de tráfego.
Riscos de segurança aumentam com a inspeção veicular opcional
A mudança na legislação, embora represente uma tentativa de tornar o processo mais ágil e menos custoso, levanta dúvidas sobre a real capacidade dos compradores comuns de identificar falhas técnicas ou irregularidades em veículos.
Até agora, essa era uma atribuição exclusiva do Estado, que contava com profissionais treinados e equipamentos específicos para detectar problemas invisíveis a olho nu.
A possibilidade de aumento de fraudes, segundo a Fetran, é real.
Sem a intermediação de um agente público, o comércio ilegal de peças e veículos pode ganhar força.
“A retirada da vistoria obrigatória favorece a ação de quadrilhas especializadas em roubos e furtos, uma vez que não haverá mais mecanismos estatais preventivos capazes de inibir a circulação de veículos ilegais”, destacou a entidade.
Menos controle, mais riscos no trânsito e no bolso
Outro fator de preocupação é o impacto na segurança viária.
Com menos controle sobre as condições técnicas dos veículos, cresce o risco de acidentes causados por falhas mecânicas.
Pneus carecas, freios danificados ou faróis quebrados poderão passar despercebidos em negociações diretas, colocando em risco não apenas os motoristas, mas também pedestres e demais usuários das vias públicas.
Especialistas também apontam para um possível aumento no custo de manutenção e no valor dos seguros, já que as seguradoras podem passar a considerar o histórico de vistoria como um fator de risco.
A ausência de inspeção veicular obrigatória pode levar à criação de novas exigências por parte das empresas privadas, que buscarão formas próprias de avaliar a segurança dos veículos segurados.
Fim da vistoria: simplificação ou ameaça ao motorista?
Apesar das críticas, os defensores do projeto argumentam que a mudança atende a uma demanda antiga da sociedade por menos burocracia e custos na manutenção da documentação veicular.
Eles alegam que a vistoria se tornou, em muitos estados, um processo oneroso, demorado e, em alguns casos, alvo de denúncias de corrupção e ineficiência.
Enquanto o presidente Lula não se pronuncia sobre o veto parcial ou integral ao projeto, motoristas, revendedores e órgãos públicos aguardam com expectativa a decisão final, que poderá redefinir os padrões de circulação e comércio de veículos em todo o país.
Com a responsabilidade da verificação técnica nas mãos dos próprios cidadãos, os motoristas brasileiros estarão preparados para lidar com os riscos e obrigações que virão com o fim da vistoria obrigatória de veículos?
FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS