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Moradora de Congonhas (MG) teme barragem: ‘vivo embaixo da bomba-relógio’

Aos 56 anos e de mochila nas costas, a disposição de Sandoval de Souza não é para qualquer um. Debaixo de chuva, ele segue de moto pelas ruas de Congonhas (MG), para num ponto estratégico e aponta a máquina fotográfica para a barragem Casa de Pedra, da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a maior localizada em área urbana na América Latina. Ele é mais um dos que temem que a qualquer momento a estrutura inteira desabe.

Todos os dias, de manhã e no fim da tarde, Sandoval assume o posto de sentinela no terreno. “As fotos que eu tiro, envio para as autoridades. Posso ser leigo no assunto, mas sei que vídeos e fotos são provas que colaboram para o que mais queremos, que é uma profunda e transparente investigação sobre as condições da barragem”, afirma.

A histórica Congonhas e seus mais de 55,8 mil moradores ficaram debaixo d’água com os temporais que atingiram Minas Gerais na segunda semana de janeiro. E é em tempo de chuva forte que o medo do rompimento aperta. Pelo menos 5 mil pessoas podem ser atingidas imediatamente.

Quem flagrou as imagens de uma encosta natural ao lado da barragem Casa de Pedra, em 9 de janeiro, e as postou nas redes sociais, levou o maior susto. Em segundos, parte da terra do barranco veio abaixo. “Se esse material está cedendo aos poucos e está tão perto da estrutura, não sabemos quais os impactos disso, já que a barragem está colada a esse morro. Imagine que a encosta desabe de uma vez? Ela não levaria também a Casa de Pedra ou boa parte dela?”, questiona Sandoval, diretor de meio ambiente da Unaccon (União de Associações Comunitárias de Congonhas).

Segundo Júlio Grillo, engenheiro civil e ex-conselheiro de atividades minerárias de Minas Gerais, a depender do tamanho do escorregamento, a Casa de Pedra pode ser afetada e vir a se romper. “O encharcamento do terreno é um risco adicional que pode contribuir para um possível rompimento da estrutura da CSN.”

Móveis jogados na rua de Congonhas (MG), atingida pelas chuvas Imagem: Sandoval Filho/Arquivo Pessoal

Noites sem dormir

Quem mora no sopé da barragem não tem descanso nem dorme. O terreno onde fica a casa da empregada doméstica Maria Iraci Pereira, 58, está a 300 metros da Casa de Pedra. Se a barragem se romper, não há chance de escapar com vida, e Iraci sabe. Seriam só 30 segundos para a onda de rejeitos passar.

Iraci conta ter visto na TV as imagens do deslizamento e correu com a família para a casa de parentes, durante a tempestade. Saíram só com os documentos, mais nada levaram. Dias depois, tiveram de voltar. “Não tenho como sair daqui e ninguém quer comprar ou alugar minha casa, que fica embaixo de uma bomba-relógio.”

A ANM (Agência Nacional de Mineração) assegura que a barragem “encontra-se sem risco iminente de rompimento ou qualquer outro incidente de grande impacto à vida humana ou ao meio ambiente”. No entanto, notificou a CSN a cumprir seis medidas de caráter imediato ou em no máximo dois dias, entre elas, fazer a “correção e estabilização da encosta em terreno natural”, onde foi identificada uma trinca.

Barragem Casa de Pedra, mantida pela CSN Imagem: Reprodução/DAM Projetos de Engenharia.

Confiança e medo

“A Vale, em Brumadinho, também falou que a barragem do Córrego do Feijão estava regular. Só que ela se rompeu e matou 272 pessoas, em 25 janeiro de 2019. Você confia na palavra das mineradoras?”. A pergunta é de Rafael Duda, líder do Sindicato Metabase de Congonhas, que representa os trabalhadores da mineração.

Apesar de ter sido construída a jusante, um método considerado mais seguro pelos engenheiros, Duda lembra que a Casa de Pedra tem quatro vezes o tamanho da barragem de Brumadinho. Ele conta que a mineradora é uma “caixa preta”, de onde as informações saem tão frias quanto o minério. “A CSN mandou um comunicado geral por WhatsApp no dia 9, dizendo que não há risco de rompimento. E falou também, para imprensa e acionistas, que tinha paralisado as atividades. Acontece que não é verdade.”

De capa amarela, botas, água no meio da canela e celulares nas mãos, os trabalhadores atravessam a usina na esperança de que alguém tome conhecimento da situação. Vídeos enviados para o sindicato mostram que os operários teriam sido obrigados a trabalhar, apesar do medo de um desastre e de a cidade estar em condições precárias.

Fotos também mostram caminhões repletos de trabalhadores em serviço. “A CSN está mentindo. Ela paralisou parcialmente os trabalhos. A produção só diminuiu um pouco. E o carregamento parou, sim, mas só porque as linhas de trem não tinham como seguir”, afirma Duda.

Como um trator

Uma capela com paredes tingidas de minério de ferro e cercada pelas marcas que as máquinas deixaram no chão. A igreja de São José Operário, construída em 1958, veio abaixo em 2008. Até que durou muito. Todo o restante do vilarejo foi sendo derrubado bem antes disso, a partir de 1970.

É o que conta Domingos Costa, 68. Com fotos nas mãos e o olhar entristecido, ele se lembra do lugar onde viveu a juventude. Aos 17 anos, deixou o vilarejo com a família. Naquela época havia cerca de 1.500 moradores e 300 casas, escolas, um campo de futebol e até um hospital. “Todo mundo teve que sair porque a CSN queria aumentar a exploração de minério e por consequência o espaço da mina. Não era nossa intenção, a gente gostava de viver lá. Mas, acordos foram fechados com a mineradora para que saíssemos”, lembra.

Muitos moradores de Congonhas nem imaginam que a história pode estar se repetindo na cidade, numa escala maior e de forma silenciosa. A barragem cresceu e tornou-se vizinha de vários moradores de Congonhas. A insegurança tem levado muita gente a abandonar os seus terrenos.”Além disso, há um agravante: rejeitos de minério de ferro descem das serras, seguem pelos rios e atingem ruas e casas”, afirma Domingos.

Desastre de ontem, desastre de hoje

Cercado pelos 12 profetas de Aleijadinho, mestre do barroco mineiro, o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, considerado Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco, lembra o destino da igreja de São José Operário. É um dos poucos lugares de Congonhas que ainda conserva a aparência do que já foi a cidade histórica mineira. Tudo ao redor são montanhas esburacadas e pessoas respirando poeira tóxica da mineração.

Quando o céu está claro, é vida que segue. Cada um tenta sobreviver como pode. Com a mão na massa, Marcelle de Amorim, 46, tenta fazer os melhores doces na confeitaria. No dia a dia, ela nem pensa no risco de a barragem se romper.

“Trabalho mais longe da Casa de Pedra e isso me deixa um pouco mais segura. Mas quando chove e tem risco de deslizamento, eu sei que posso perder a vida ao passar por uma outra rua, por exemplo”, explica.

Sandoval, de sua parte, continua registrando, diariamente, o terreno em torno e o da barragem. “Acredito que comprovar a gradativa deterioração seja hoje a única forma de prevenir o rompimento.” No caso de Brumadinho, passados quase 3 anos do crime socioambiental na Mina do Córrego do Feijão, ninguém ainda foi punido.

Ruas de Congonhas (MG) depois do temporal, na primeira semana de janeiro Imagem: Sandoval Filho/UOL

Resposta das autoridades

Em um vídeo do mesmo dia 9 de janeiro, o prefeito de Congonhas, Cláudio Antônio de Souza, afirmou: “a prefeitura segue sem medir esforços e recursos para minimizar os efeitos dessa chuva, das enchentes e dos desmoronamentos e na fé de Deus com toda esperança vamos seguir em frente e até breve!”.

Um dos moradores de Congonhas, que preferiu não se identificar, declarou à reportagem: “Quando o prefeito entrega o problema nas mãos de Deus, a sensação que temos é de que parece não haver mais nenhuma saída”.

A reportagem de TAB tenta contato com a CSN desde o dia 11, para ouvir a empresa sobre os riscos de rompimento da barragem e confirmar as informações dadas pelos trabalhadores. No sábado (15), a empresa enviou à reportagem a seguinte nota: “A CSN Mineração informa estar sendo objeto de visitas de uma série de autoridades fiscalizadoras que não encontraram qualquer irregularidade em sua atividade. Nesta data, por exemplo, recebeu fiscais da ANM (Agência Nacional de Mineração) para vistoriar o avanço das obras que estão sendo feitas para corrigir os efeitos da chuva. A empresa segue monitorando os equipamentos com leitura em tempo real, 24 horas por dia, e não foi detectada nenhuma anomalia. A Companhia reafirma que a barragem Casa de Pedra permanece segura e estável. A Companhia segue prestando todas as informações necessárias para os órgãos competentes e conta ainda com um comitê formado por representantes da sociedade civil desde 2018, com o objetivo de informar à comunidade sobre as ações para descaracterizar todas as barragens, bem como sobre novos projetos. Além disso, temos divulgado informes digitais periódicos para a comunidade. Por fim, a empresa lembra que, desde 2020, toda a sua produção é feita com a filtragem total do rejeitos, isto é, sem o uso de barragens”.

FONTE TAB UOL

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