Por Padre João – Deputado Federal (PT)
Na tarde de quarta-feira (11/05) uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, requerida pelo nosso mandato, comprovou que o tema dos agrotóxicos, no caso dos pulverizáveis, mobiliza fortemente a sociedade civil. A audiência de ontem disponibilizou informações e análises que evidenciam que o debate acerca dos agrotóxicos prossegue vivo, mesmo depois da aprovação do Pacote de Veneno, expresso pelo Projeto de Lei 6299, ter sido aprovado na Câmara (segue em tramitação no Senado).
O assunto dos agrotóxicos foi levado ao debate em audiência pública motivado pela contaminação de lavouras e agricultores familiares no município de Pompéu, na região Central de Minas Gerais. A tragédia dos venenos pulverizados pelo agronegócio foi lembrada em outros casos de impacto na saúde de trabalhadores e na produção agrícola familiar como no Rio Grande do Sul e Ceará.
Wilton de Almeida, representante da Comunidade Quilombola Saco Barreiro, contou que lutam há muito tempo com os agrotóxicos pulverizáveis e o problema está cada vez mais grave. “Um médico que fazia atendimento na comunidade, Dr. Onofre, estava presente quando bateram a pulverização e passou mal. Ele perguntou como a gente estava aguentando isso…”. Wilton contou que os animais da mata como as cobras estão invadindo as casas dos moradores da comunidade, fugindo do mato e da pulverização de veneno.
Nosso mandato pôde comprovar as denúncias de Wilton em três visitas que fizemos ao quilombo, a mais recente há 15 dias. Verificamos a perda de hortaliças, especialmente folhosas, sensíveis aos venenos e a morte de peixes. Também podemos ouvir o relato de um agricultor de um assentamento de reforma agrária próximo dali que perdeu toda a lavoura de melancia por causa da pulverização de agrotóxico. No quilombo Saco do Barreiro, onde vive Wilton, a área total é de sete hectares para 17 famílias.
Jadir Oliveira, assessor ambiental da empresa Agroindustrial de Pompeu, Agropeu, esteve presente na audiência e disse que iria falar da importância da empresa para o município de Pompéu. “A Agropeu tem raízes locais, de 1981, tem 40 anos, concentra geração de empregos e tributos no município, possui atividades ambientais e outorgas regularizadas”, defendeu. Prosseguiu dizendo que a empresa apoia a Apae, a Santa Casa, o asilo, a PM e instituições religiosas de Pompéu. “É a maior empregadora da região, com mil empregos diretos”, detalhou o técnico da empresa, destacando que o negócio usa as melhores práticas de manejo do solo e busca parcerias com as comunidades próximas. Disse que empresa não faz aplicação aérea de agrotóxicos e que está aberta ao diálogo com as comunidades locais. Jadir Oliveira não respondeu às denúncias de contaminação por pulverização de agrotóxicos no Quilombo Saco do Barreiro feitas pelo agricultor Wilton que o antecedeu na fala na audiência.
Ana Paula Carvalho de Medeiros, procuradora federal, Coordenadora Adjunta do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos de Agrotóxicos, confirmou os problemas com os pulverizáveis que chegam ao Ministério Público. “Não é de hoje que a pulverização aérea de agrotóxicos vem causando significativos danos à saúde, ao meio ambiente e econômicos também”, disse referindo-se às contaminações em Chapada do Apodi, no Ceará e em Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, no assentamento Santa Rita de Cássia, que impôs grandes perdas aos pequenos produtores agroecológicos do assentamento, além, segundo ela, das perdas relacionadas à mortandade de abelhas e desaparecimento de colmeias. Ela lembrou que decisão judicial – movida por várias entidades – suspende novas pulverizações de veneno na fazenda vizinha ao assentamento gaúcho até que sejam estabelecidas normas específicas para controle da atividade.
A procuradora continuou. “Segundo a Embrapa, a deriva (escape de veneno pulverizado nas plantações), no caso das pulverizações aéreas, chega a 19% do volume de agrotóxico pulverizado, isso se observados os cuidados com equipamentos e adequações ambientais”, frisou, dizendo que há comprovações de que a deriva pode chegar a até 32 km da área onde foi aplicado o agrotóxico. Ela repassou a informação do Ibama, de que 20% dos agrotóxicos são aplicados por avião no Brasil. Há dois anos foram vendidas 685 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos químicos e bioquímicos sendo que mais de 20 mil toneladas desse total foram levadas a outras áreas por meio da pulverização aérea.
Conforme Ana Paula, a pulverização de veneno nas fazendas é autorizada por diversos órgãos governamentais. “Mas faltam equipes, equipes são reduzidas e equipamentos para fiscalização, planos de voos, relatórios operacionais em papel, além de que não existe sistema de monitoramento informatizado. Isso contribui para situações irregulares e danos à população”, avaliou. Segunda ela, para manter a pulverização permitida por lei, é indispensável fiscalização eficiente e sistema de monitoramento.
Ainda segundo a procuradora, estudo da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), de 2017: indica que a adoção do sistema proposto, de rastreamento eletrônico de aeronaves agrícolas, pode possibilitar uso racional e queda substancial dos custos de fiscalização, aumento da produtividade das equipes de fiscalização, o aumento da segurança das operações de fiscalização e uma diminuição da concorrência desleal beneficiando os operadores regulares da atividade. A Diretoria da Anac não encampou a proposta que foi encaminhada e está em pauta no Ministério da Agricultura e Agropecuária (MAPA).
Já Myriam Coelho, Conselheira Nacional de Saúde, Coordenadora da Comissão Intersetorial Alimentação e Nutrição, comemorou que a discussão sobre os agrotóxicos pulverizáveis esteja sendo feita na audiência pública, após aprovação do Pacote do Veneno (PL 6299) na Câmara dos Deputados. Segundo Míriam, o tema dos agrotóxicos esteve presente nos três eixos de discussão da 16ª Conferência Nacional de Saúde cujos relatórios expressam a reflexão sobre saúde dos 5.568 municípios brasileiros e criticou: “ a produção agrícola do agronegócio repercute pouco na alimentação e saúde dos brasileiros já que 70% da nossa alimentação vêm da agricultura familiar”. A conselheira ponderou que os venenos dos agrotóxicos mais prejudicam do que contribuem com a saúde da população.
Uellen Lisoski Collato, da Secretaria de Defesa Agropecuária do MAPA admitiu que é um desafio muito grande para o Ministério da Agricultura obter sucesso na fiscalização da aviação agrícola. Segundo a servidora, 90% dos produtos oriundos da agricultura brasileira estariam dentro da conformidade: “estamos cientes de que precisamos aprimorar. A legislação da aviação agrícola está sendo revista e procuramos agilizar as denúncias”, disse. Uellen disse que só estava sabendo das denúncias sobre as pulverizações em Pompéu agora e que por isso não teria como se pronunciar sobre elas. Nosso mandato informou à servidora do MAPA que vai formalizar a denúncia ao Ministério uma vez que tínhamos presenciado os problemas com a pulverização no Quilombo Saco do Barreiro e em assentamento próximo dali.
Marcela Ferreira Rocha, da Secretaria de Estado de Agricultura Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), explicou que o órgão trabalha com fiscalização uso e comércio de agrotóxico e que ela fora servidora do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). “Em Minas, são 54 prestadores de serviço de aplicação aérea. Fiscalizamos se produto (agrotóxico pulverizável) é autorizado, se tem receituário agronômico e a comercialização. Ela disse que o Estado se pauta pela legislação federal sobre o assunto e também disse que não chegou denúncia das contaminações em Pompéu e admitiu quadro reduzido de pessoal para fiscalização.
O Coordenador Técnico de Agroecologia da Emater, Fernando Tinoco, observou que é possível ter produtividade e redução de custos sem usar veneno nas lavouras. “Temos produção extensiva da cana no Triângulo com produtividade muito superior à produção de cana sem veneno. Números bastante interessantes tanto na produtividade quanto aos custos com o uso de pó de rocha e micro-organismos associados a compostos orgânicos”, disse, reiterando que as práticas limpas de veneno exigem estudo e capacitação e que as tecnologias em teste existem há menos de cinco anos.
Gabriel Colle, Sindag, Sindicato das Empresas de Aviação Agrícola, reforçou a necessidade de capacitação dos pilotos para o trabalho de pulverização agrícola. “Trabalhar na aviação agrícola exige altíssimo nível de capacitação. Só quando chega a 370 horas de voo, o piloto pode fazer o curso de aviação agrícola. E cada aeronave tem que ter um técnico agrícola junto. Há gestão de segurança que precisa ser feita”, indicou, citando que atualmente existem 2434 aeronaves agrícolas no país.
Luis Cláudio Meirelles, pesquisador, representante da Fundação Osvaldo Cruz e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e membro do Fórum Nacional de Combate aos Impactos de Agrotóxicos e Transgênicos mencionou que “é muito oportuno discutir o tema nessa Comissão dada à violação que se apresenta. Assistimos o uso crescente dos agrotóxicos e de substâncias perigosas; volume de agrotóxicos em território nacional, 67% dele, é constituído de substâncias cancerígenas ou disruptoras endócrinas”. “Essa contaminação é invisível, se dá a longo prazo; não existe dose segura para substâncias que causam efeitos crônicos à saúde humana”, frisou.
Luis Cláudio denunciou que o país está avançando em terreno perigoso para a saúde humana no agronegócio: “estamos usando 40% dos produtos autorizados recentemente, sem avaliação técnica e científica devidas, proibidas na União Europeia. Estamos aumentando exposição da população. Houve aceleração de 5 vezes no registro destes produtos, sendo que, de 85% a 90%, têm perfil indesejado para a saúde pública.
“Estamos assistindo a uma erosão na estratégia de reavaliação de agrotóxicos, monitoramento de resíduos e fiscalização de agrotóxicos. Para quem trabalha na área científica está difícil obter esses dados, existe lentidão tremenda para garantir resultados na saúde pública”. Ele contestou a informação do MAPA de que os produtos da agricultura estão em conformidade. “60% dos alimentos estão com resíduos de agrotóxico, sendo 30% na faixa da irregularidade. O que mudou foi o método para aferir a presença desses agrotóxicos (no Ministério da Agricultura). O pesquisador da Fiocruz concluiu que o uso dos agrotóxicos é grave problema de saúde pública que a sociedade brasileira precisa enfrentar.
Renato Roseno, deputado cearense e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de seu Estado, citou a criação da Lei Zé Maria do Tomé, em homenagem a agricultor que lutou contra o uso dos agrotóxicos e foi assassinado por empresários do agronegócio. A norma bane o uso de pulverização de agrotóxicos no Ceará e gerou contestação no STF, mas segue em vigor. Roseno conclui que “o pacote tecnológico do agronegócio, baseado no uso intensivo de agrotóxicos para a fruticultura de exportação em todo o país se repete no Ceará, no Rio Grande do Norte” Segundo ele, a história se repete com os venenos pulverizados em Pompéu, em Minas Gerais ou no assentamento de reforma agrária em Santa Rita, no Rio Grande do Sul.