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Após PL do Estupro, direita na Câmara quer legalizar trabalho infantil

Proposta absurda é relatada pelo deputado Gilson Marques, do Novo; em entrevista à Fórum, especialista em direitos da infância e juventude comenta

Após tentar emplacar o Projeto de Lei 1904/2024, conhecido como PL do Estupro, que equipara a interrupção da gravidez a partir da 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro, ao crime de homicídio, a direita e a extrema direita na Câmara dos Deputados seguem tentando fazer o país retroceder em direitos e, agora, querem legalizar o trabalho infantil.

É o que está previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18, de 2011, que autoriza a criação de contratos de trabalho para crianças e adolescentes a partir dos 14 anos de idade. O projeto, de autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), estava parado há mais de uma década e voltou esta semana à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob relatoria do deputado Gilson Marques (Novo-SC), e pode ser votado nos próximos dias.https://e1228ee831fdbd43e0374ffb07256d97.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html?n=0

Desde 1988, a Constituição Federal proíbe qualquer tipo de trabalho a menores de 16 anos. Entre os 14 e 16 anos, somente é permitido trabalhar na modalidade de aprendiz, que prevê a obrigatoriedade dos estudos, com frequência regular na escola.https://e1228ee831fdbd43e0374ffb07256d97.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html?n=0

Caso a PEC seja aprovada, crianças de 14 anos já poderiam trabalhar cumprindo carga horária de até 25 horas semanais – o que, para especialistas, fará com que filhos de famílias mais pobres trabalhem precocemente e se afastem dos estudos.https://d-36310061501136686304.ampproject.net/2406131415000/frame.html

O relator da PEC, Gilson Marques, deixou claro em entrevista recente quem são os alvos da proposta ao ressaltar que sua filha, privilegiada, não precisa trabalhar.

“Minha filha, eu tenho condições de fazer o contraturno de inglês, botar para fazer atividade física, fazer outras atividades que a façam aprender. Além disso, ela não precisa de recurso financeiro para comprar livros ou se alimentar. O problema são as pessoas de baixa renda que poderiam acessar o emprego, ter um pouco de recurso e ainda aprender, ter uma experiência, ter um mentor”, declarou.

O parlamentar, entretanto, ignora o fato de que, com um trabalho, ainda que com carga horária reduzida, diminuem-se as chances de crianças e adolescentes frequentarem escolas de tempo integral.

À Fórum, o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, classificou a PEC como “mais uma proposta eleitoreira, oportunista e demagógica de véspera de eleição”.

“O autor da proposta parece desconhecer a lei de aprendizagem, que já permite que adolescentes a partir de 14 anos exerçam atividades como aprendizes. E a aprendizagem está vinculada à educação, escolarização e profissionalização. O Congresso Nacional deveria estar preocupado com a efetivação da lei da aprendizagem”, diz Castro Alves.

Ex-secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o advogado afirma que o país precisa “retomar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social” e “intensificar as fiscalizações de combate ao trabalho infantil pelos auditores do trabalho do Ministério do Trabalho”, além de “viabilizar campanhas informativas e de sensibilização sobre os malefícios do trabalho infantil junto à população”.

Trabalhador infantil de hoje, desempregado de amanhã

Ariel de Castro Alves cita, em entrevista à Fórum, levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o aumento da exploração do trabalho infantil, que explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro com o desmonte das equipes de fiscalização, e faz relação direta entre o fenômeno e a evasão escolar apontada em outros estudos.

Caso a PEC do trabalho infantil seja aprovada, a tendência é que adolescentes a partir de 14 anos frequentem menos a escola e, consequentemente, estejam mais suscetíveis à exploração.

“O último levantamento do IBGE, que mostrou o aumento da exploração do trabalho infantil no Brasil, tem relação com pesquisas anteriores que mostraram o aumento da evasão escolar nos últimos anos. O primeiro sinal de que uma criança ou adolescente está em risco e em trabalho infantil é quando deixa de frequentar a escola. E quando isso acontece, a rede de proteção social deve atuar imediatamente”, assinala.

O advogado pontua ainda que “existe uma conivência da sociedade com a exploração do trabalho infantil” que gera inúmeros prejuízos não só para a criança ou adolescente explorado, mas para a sociedade como um todo.

“O trabalhador infantil de hoje será o desempregado ou subempregado de amanhã, porque o adolescente acaba abandonando a escola e não ingressando em cursos técnicos, profissionalizantes e nas universidades. Assim, não conseguirá se preparar para um mercado de trabalho cada vez mais concorrido.”

Reações

O Brasil é signatário de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê a abolição do trabalho infantil através de políticas que permitam adolescentes somente com mais de 15 anos trabalharem. Ou seja, a PEC em tramitação na Câmara contraria tal determinação.

Neste sentido, entidades ligadas aos direitos humanos vêm reagindo à PEC que pode legalizar o trabalho a partir dos 14 anos, entre elas o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, atualmente comandado por Silvio Almeida.

“Observa-se que a PEC, ao pretender a redução da idade mínima para o trabalho, expondo adolescentes com idade de 14 anos aos malefícios do trabalho precoce, afronta diretamente os direitos fundamentais relacionados com a proteção no trabalho e o direito à profissionalização de adolescentes”, diz nota do Conanda.

A tramitação da PEC do trabalho infantil também vem repercutindo no Congresso Nacional. Parlamentares governistas afirmam que vão se mobilizar para barrar a aprovação da proposta.

“Eles querem mexer na Constituição para que se possa contratar crianças a partir de 14 anos. É a tentativa de explorar o trabalho de crianças e adolescentes. É uma vergonha. Estou chamando você a se mobilizar contra essa PEC do trabalho infantil. A gente tem que dar um basta a esse retrocesso que um setor aqui na Câmara quer impor à sociedade brasileira”, disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).

“Absurdo! Mais um ataque à infância promovido pela extrema direita! Agora, querem levar para análise na CCJC uma PEC para regularizar o trabalho de crianças a partir dos 14 anos. Lugar de criança é na escola, é brincando, e não trabalhando para formar mão de obra barata e precária. Não bastasse quererem obrigar meninas a virarem mães, esses mesmos querem retirar das crianças o seu direito à infância e à educação”, afirmou, por sua vez, a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG).

“Essa medida viola direitos fundamentais garantidos pela Constituição e representa um retrocesso nas conquistas sociais! Um absurdo!”, asseverou Chico Alencar (PSOL-RJ).

Dados sobre o trabalho infantil no Brasil 

Dados divulgados pelo IBGE em dezembro de 2023 mostram que, em 2022, havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil no Brasil – o correspondente a 4,9% da população nessa faixa etária.

O número de crianças e adolescentes nessa condição, segundo o instituto, vinha diminuindo desde 2016 (2,1 milhões), mas a partir de 2019 o índice voltou a subir. 

Entre 2016 e 2019, o trabalho infantil diminuiu 16,8% no país. De 2019 para 2022, isto é, durante o governo de Jair Bolsonaro, o contingente em situação de trabalho infantil aumentou 7,0%, passando de 1,758 milhão em 2019 para 1,881 milhão em 2022.

Veja os números: 

Fonte: IBGE

FONTE REVISTA FÓRUM

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