Parecido com o que acontece nas vinícolas, o olivoturismo aproxima público do produto e gera renda extra aos empresários
Após terem dado o primeiro passo primordial na produção de azeite, que envolveu descobrir quais plantas se adaptaram ao clima brasileiro e as melhores formas de extração, os produtores já têm avançado em outro ponto: o olivoturismo. Movimento parecido com as vinícolas, muitos empresários têm aberto suas fazendas para que seus clientes conheçam o cultivo das azeitonas, realizem degustações e, em alguns casos, até se hospedem perto dos olivais. Assim, além de aproximar o público do produto, o turismo rural também tem sido uma poderosa ferramenta de geração de renda e manutenção dos negócios.
É o caso do gaúcho Moacir Batista, ex-engenheiro florestal, que se mudou para Minas em 1977 por causa do trabalho e, após se aposentar, comprou um sítio em Catas Altas da Noruega, região da Serra do Espinhaço. Iniciou no negócio do azeite cerca de dois anos depois da primeira extração, ocorrida em 2008 em Maria da Fé, e atualmente também recebe visitantes para conhecer seu olival – com cerca de 3 mil plantas.
“O turismo enriquece a experiência do consumo de azeite, temos uma paisagem linda, que merece ser explorada. Além disso, as atividades turísticas na fazenda também ajudam a equilibrar as contas, pois nem sempre só a venda dos produtos gera a renda necessária. A produção ainda é muito pequena para sustentar sozinha todos os custos. Então, é uma forma de continuar financiando o negócio”, afirma.
O roteiro turístico por lá começou há cerca de três anos e inclui recepção com mesa farta de café, palestra sobre a produção do azeite, degustações e passeio pelo olival. Cada tour dura cerca de três horas e comporta até 20 pessoas. Quem deseja estender a experiência pode se hospedar em uma das duas suítes ou na casa de campo disponível na fazenda. Hoje, a fazenda consegue hospedar cerca de dez turistas ao mesmo tempo e está nos planos do empresário a construção de chalés para aumentar esse número.
Presidente da Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira e Sudeste (Assoolive), que conta com 45 membros, ele estima que cerca de 40% dos associados já praticam o olivoturismo em suas fazendas.
Antes de abrir suas portas, porém, ele e sua esposa, Maria de Lourdes, foram atrás de qualificação. O casal contou com a ajuda de Jordânia Mariano, turismóloga e instrutora credenciada do Sistema Faemg Senar, que auxilia produtores de diversos segmentos a implementarem o turismo rural. Tópicos como segurança, preparação de roteiros, alimentação, hospedagem e divulgação dos serviços estão inclusos na qualificação.
“A ideia é sempre agregar valor. Os olivais vão muito além da produção e podem ser usados para encantar e educar os clientes. Como estão situadas em áreas altas, geralmente as fazendas têm belas vistas e podem virar mirantes e áreas diferentes para degustações e piqueniques. São inúmeras as possibilidades de turismo”, garante Jordânia.
Além da paisagem, ela aponta outros caminhos para a diversificação de renda dentro das fazendas. “Os produtores podem vender mudas. Mesmo que o cliente não vá produzir azeitonas, a árvore é bonita e pode ser usada para ornamentação. Também vejo como uma possibilidade a oferta de brindes, como camisas e chaveiros, e a comercialização das folhas desidratadas para chás”, revela a turismóloga.
Já Moacir revela que está em seus planos conseguir aumentar a produção e expandir a distribuição dos azeites de alto nível no mercado – tornando o produto mais acessível para chefs e restaurantes. Na visão do empresário, o azeite mineiro tem tudo para acompanhar o crescimento da gastronomia mineira e, consequentemente, fomentar o turismo no estado.
“Ninguém come azeite puro, ele é um coadjuvante e pode agregar sabor em pães, sobremesas e até drinks. Conseguimos usar o azeite com doce de leite e até fazer caipirinha. Também queremos fortalecer todo o entorno da região em que estamos inseridos, não apenas nossa fazenda”, garante.
Azeite na rota da fé
Fortalecer o entorno por meio do turismo também está nos planos de Vanessa Bianco, sócia proprietária da Olivais Gamarra, fazenda localizada na zona rural de Baependi, no Sul de Minas – cidade muito conhecida pela beatificação de Nhá Chica, em 2013. A atividade ainda é incipiente e os passeios acontecem sob demanda e para grupos pequenos de até 12 pessoas. No entanto, ela enxerga todo o potencial que está ao redor.
“Além de pessoas de outros estados, como Rio de Janeiro e Goiás, também recebemos visitantes de Caxambu e São Lourenço, que já têm uma tradição turística. Também temos vizinhos que produzem queijos, que têm pousadas e a rota da fé, que foi criada após a beatificação de Nhá Chica e abrange vários municípios. Um vai fortalecendo o outro”, diz.
Jordânia Mariano, do Sistema Faemg Senar, aponta que essa camada religiosa também é um chamariz para turistas. “A oliveira é um símbolo muito forte, principalmente entre os católicos. Muitas árvores ao redor do mundo têm mais de 5 mil anos. Costumo brincar que algumas até testemunharam a passagem de Jesus”, diz.
Vanessa também conta que, além dos turistas, a fazenda recebe muitos produtores ou pessoas interessadas em produzir azeite. Assim, os passeios pelo olival acabam sendo um espaço de fomento para que os produtores troquem ideias, falem sobre desafios e aprendam com situações que Vanessa já enfrentou no passado.
“Também temos uma preocupação enorme com a sustentabilidade, uma vez que nos instalamos no entorno do Parque Estadual da Serra do Papagaio. Então, é essencial conciliarmos desenvolvimento econômico e conservação ambiental. Estamos perto de mananciais e cachoeiras belíssimas. Não usamos agrotóxicos, o que acaba até dificultando um pouco o combate de fungos, mas é algo inegociável”, aponta.
Segundo ela, o olivoturismo é essencial para que as pessoas conheçam essa cultura de perto e, ao enxergar todo o processo, possam valorizar ainda mais o produto – fortalecendo toda a cadeia. “Acreditamos muito na atividade turística. No futuro, queremos hospedar pessoas, ter um espaço gastronômico e investir em outras culturas na fazenda, como frutas vermelhas e cafés especiais”, revela.
Somando potências
Quem sonha em implementar outra cultura pode se espelhar no exemplo bem sucedido da fazenda Serra que Chora, local de cultivo das oliveiras do azeite de mesmo nome e das uvas do vinho Amantikir. Responsável pela fazenda, Manoela da Silva Costa explica que, por terem sazonalidades distintas, ambos os produtos somam forças na hora de atrair os turistas. “O verão é o momento de ver as azeitonas e depois é possível apreciar os cachos de uvas. Quem não consegue ver um cultivo, acaba sendo recompensado pelo outro”, diz.
Com capacidade de acomodar cerca de 50 pessoas, o local oferece visitas guiadas, degustações, refeições e até a experiência de participar de todo o processo de produção – da colheita ao envase. Lucas Fagundes, pesquisador da Epamig, destaca que esse último aspecto é uma das grandes vantagens do olivoturismo.
“Diferentemente do vinho, o azeite precisa ser consumido de forma mais rápida. Então, além dos atrativos de um passeio, outra vantagem é que o produto pode ser consumido no próprio local de produção ou levado o mais fresco possível para casa. Assim, ganha-se em qualidade e é uma camada a mais de experiência para o cliente”, analisa.
Ele também aponta que os olivais se assemelham às vinícolas no sentido de permitir que os clientes acompanhem todo o processo até o produto final. “A pessoa conhece a colheita, a extração, o envase e vê o azeite engarrafado. Observar todo o processo faz com que o visitante entenda o quão desafiador é produzir em Minas e dê valor ao produto. Assim, os empresários têm uma vantagem na hora de precificar o produto e cobrar o justo”, diz.
Manoela concorda e acrescenta que o turismo rural tem permitido que as pessoas conheçam mais profundamente as características e a história de cada marca – seguindo uma tendência que já ocorre com os queijos, cafés e vinhos de pequenos produtores. No entanto, aponta que ainda existem desafios para que o produto chegue para mais pessoas.
“Precisa haver um maior apoio das instituições competentes no sentido de fortalecer a rota turística e ajudar na vazão dos produtos. Às vezes, a gente tem todo o cuidado para elaborar e o produto está excepcional, mas não conseguimos vender. Isso é ruim principalmente para o azeite, pois temos um certo prazo para vendê-lo antes que ele estrague”, afirma.
Jordânia Mariano, do Sistema Faemg Senar, complementa que a estrutura de acesso e transporte ainda precisa melhorar para que o estado fortaleça o seu turismo. “A maioria das estradas rurais não são adequadas e sofrem com as chuvas ou poeira excessiva. Também há falhas na sinalização, é preciso que o poder público converse melhor com os empreendedores e, juntos, todos busquem por soluções.”
Já Lucas destaca o desafio da previsibilidade da produção. “Por ser uma atividade muito recente, e que enfrenta desafios climáticos, há anos em que a produção é maior e outros em que ela é menor. Não tendo essa estimativa, o produtor não consegue garantir que haverá produto o suficiente ao longo do ano para atrair turistas”.
Apesar dos desafios, Ana Beloto, renomada sommelier de azeites e azeitóloga, afirma que estamos no caminho certo para aproximar o público do produto. “O turismo é um braço importantíssimo do setor, não consigo ver uma coisa desvinculada da outra. É essencial não só para a divulgação, mas também para o sustento do negócio”, garante.
FONTE O TEMPO