Uma mineração feita durante a Ditadura Militar, sem considerar o patrimônio tombado, alterou seu tombamento e ocupou a Serra do Curral, no lado de Nova Lima.
Alegando o aproveitamento de suas terras, essa mesma mineradora aprovou o uso da área para expansão imobiliária sobre a serra tombada.
Na década de 1980, um shopping inaugurado em um trevo rodoviário passou por expansões sucessivas, com aumento de densidade, pressionando as faixas de domínio de uma rodovia federal e de uma via estadual, já que seu acesso é prioritariamente rodoviário. Eram dois pavimentos, hoje são cinco. Como compensação, o deslocamento de pontos de ônibus para trabalhadores, alguns metros de asfalto em alargamentos de vias — e nenhum questionamento.
No entorno, um bairro originalmente horizontal transformou-se em vertical com uma simples canetada. Mesmo diante de interpelações judiciais contrárias, seu coeficiente de aproveitamento foi triplicado, contribuindo significativamente para as altas densidades locais.
Como pano de fundo, duas cidades que regularam mal o uso do solo em topos de morro. Do lado de Nova Lima, especialmente, não bastasse a depredação da serra com o autoritarismo militar de outrora, o Plano Diretor permaneceu permissivo e estimulou a construção de acidentes urbanísticos como o Vila da Serra e o Novo Vale do Sereno, sob o argumento de desenvolvimento econômico e progresso.
Nova Lima chegou a licenciar o uso de área institucional verde, na década de 1990, para beneficiar várias torres luxuosas nas margens da linha férrea. Agora insiste no argumento de que ali deve haver uma avenida.
Nas diversas torres e no entorno delas moram pessoas cujos carros particulares lotam as avenidas. Sua mobilidade, centrada no automóvel, dificulta até a existência de árvores — hoje vistas como estorvo no trânsito caótico, como no recente episódio da Alça do Viaduto da BR-356.
Esses indivíduos incomodados não usam transporte coletivo. Aliás, quem o utiliza mora longe dali, depende de um ônibus caro e deficitário como único meio de transporte, e sofre os efeitos danosos do exclusivismo automotivo sobre as vias.
Como se não bastasse a discussão sem nexo da mobilidade carro a carro, cujo teor traz no bojo um falso problema, licenciaram outros bairros e alteraram índices urbanísticos, impulsionando aberrações como o Bellagio, com suas três dezenas de torres. Suprime-se Mata Atlântica, ameaça-se a paisagem e, sob a escolta de algumas barragens em níveis perigosos, cogita-se licenciar uma via de integração em área suscetível a escorregamentos, declividades elevadas e perigosas, aterrando nascentes, aprofundando a supressão da Mata Atlântica, arrasando solos, poluindo águas com esgoto doméstico, ameaçando fauna e flora — dificultando, portanto, a vida.
Qual seria o diagnóstico? Na minha opinião, há ausência de uma política pública que leve a sério um planejamento voltado para a ética do território — ou, pior, há abundância de soluções de planejamento urbano baseadas na especulação do uso da terra e em seus retornos fiduciários, que legitimam o rentismo e a acumulação financeira, sem qualquer balizamento sustentável ou interesse público. E agora, a culpa é da natureza!
Olhe para a região atentamente e repense o que se passa com seu espaço. Parece não haver lugar para uma abordagem ecológica à altura do momento dramático que vivemos. Convivemos com pseudo-apelos ao verde, que apenas se locupletam da natureza. São anúncios publicitários de um mercado imobiliário imediatista, que encontra consumidores muito além de qualquer preocupação com a destruição do patrimônio ambiental que esses consumidores qualificados contemplam da janela.

Meus leitores, a solução não é, definitivamente, aumentar pistas: é tirar carros da rua! É requalificar o uso do trem, que só extraiu minério da serra. É reparar danos provocados por um processo predatório que ameaça uma Reserva da Biosfera. É criar o parque e brecar os carros. É mudar a política de uso do solo — enquanto ainda há tempo.
Uma política de mobilidade centrada única e exclusivamente no carro gera pistas adicionais, que geram vontade de mudar índices urbanísticos, alterar zoneamentos, destruir a ideia de parques lineares e lagoas de drenagem, gerar mais viadutos e aumentar a pressão sobre reservas ambientais como o Cercadinho. Esse ciclo parece retroalimentado por uma ausência de memórias culturais e uma profusão de vontades muito pouco virtuosas. É preciso saber reagir e propor novas soluções, em que o discurso do planejamento se sobreponha ao dano socioambiental escondido nas falsas retóricas.
FONTE: JORNAL GGN