×

Ele nasceu para ser um carro popular, mas hoje custa o preço de um sedan médio

Ele nasceu para ser barato, mas hoje custa o preço de um sedan médio. Entenda por que o conceito de carro popular mudou tanto na última década no Brasil, usando o Hyundai HB20 como um exemplo claro dessa transformação.

Lembra da época em que um carro popular zero quilômetro, como o Volkswagen Gol 1000 ou o Fiat Uno Mille, era sinônimo de acesso facilitado ao primeiro veículo? Essa imagem parece cada vez mais distante da realidade brasileira atual. Hoje, os chamados “carros de entrada” atingiram patamares de preço que antes compravam cobiçados sedans médios.

Utilizando o Hyundai HB20 como um estudo de caso representativo, investigaremos os múltiplos fatores que levaram à incrível escalada de preços do carro popular na última década e o que isso significa para o consumidor brasileiro em 2025.

A trajetória de preços do Hyundai HB20 ilustra bem essa mudança. Em 2015, sua versão de entrada, a Comfort 1.0, era lançada por R$ 35.760. Este valor o colocava como um “popular” moderno e acessível. Avançando para 2025, o modelo de entrada Sense Plus 1.0 MT do HB20 tem preço divulgado a partir de julho de 2024 de R$ 88.990. Isso representa um aumento nominal de cerca de 148,8% em dez anos.

O comparativo é revelador: o valor de um HB20 básico em 2025 supera, e muito, o que era necessário para adquirir um sedan médio renomado como o Honda Civic LXS 1.8 (R$ 68.400) ou o Toyota Corolla GLi 1.8 (R$ 69.690) em 2015. O degrau financeiro para o carro de entrada se elevou drasticamente.

O carro popular no Brasil virou 'luxo' Entenda por que modelos de entrada hoje custam o preço de um sedan médio de antigamente.

Uma das principais razões para o encarecimento do carro popular é a incorporação de mais itens de segurança e tecnologia, muitos por força de lei. Em 2014, airbags frontais duplos e freios ABS tornaram-se obrigatórios. Desde então, outras exigências foram adicionadas. O Controle Eletrônico de Estabilidade (ESC) passou a ser mandatório para todos os carros novos a partir de 2024. Cintos de segurança de três pontos e encostos de cabeça para todos os ocupantes tornaram-se obrigatórios em 2020, e as luzes de rodagem diurna (DRL) foram exigidas para todos os veículos em produção desde 2023.

Itens como múltiplos airbags, que antes eram de categorias superiores, hoje equipam versões de entrada, como os seis airbags do HB20 Sense Plus 2025. Cada um desses componentes adiciona custos diretos e indiretos ao veículo.

Conforto não é mais luxo: a nova linha de base dos carros de entrada

O padrão de conforto dos carros de entrada também subiu. Itens como ar-condicionado e direção assistida (que evoluiu de hidráulica para elétrica progressiva, mais eficiente) tornaram-se praticamente padrão. Vidros elétricos, pelo menos os dianteiros, também são comuns.

As centrais multimídia com conectividade Bluetooth® substituíram os antigos rádios com CD player, e conveniências como piloto automático com limitador de velocidade começaram a aparecer em modelos de entrada. Essa elevação do padrão mínimo do carro popular reflete novas expectativas do consumidor e a busca das montadoras por competitividade, mas impacta o preço final.

Motores mais limpos, porém mais complexos e caros

A motorização também evoluiu, principalmente para atender às rigorosas leis ambientais. O impacto de novas fases do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), como a L7 (desde 2022) e a L8 (a partir de 2025), na sofisticação e no custo de produção dos motores, especialmente os 1.0, é significativo.

Mesmo que a potência anunciada não tenha aumentado drasticamente em alguns casos, a tecnologia embarcada para reduzir emissões tornou os motores mais complexos. Isso inclui sistemas de injeção de combustível mais precisos, catalisadores mais eficientes e recalibrações eletrônicas, representando custos adicionais na produção.

O peso do “Custo Brasil” e da volatilidade do dólar na etiqueta de preço

Fatores externos também pressionam os preços. A alta carga tributária no Brasil (IPI, ICMS, PIS/COFINS) pode representar, segundo algumas análises, de 30% a 50% do valor final do carro. Outros componentes do chamado “Custo Brasil” incluem encargos trabalhistas elevados, infraestrutura logística deficiente (com predomínio do caro transporte rodoviário) e a forte dependência da indústria de componentes importados ou com custos atrelados ao dólar, o que torna o setor vulnerável à desvalorização do Real. A instabilidade cambial dificulta o planejamento de custos e incentiva o repasse rápido de aumentos ao consumidor.

Estratégia da indústria: o adeus ao “pé-de-boi” e o novo foco das montadoras

Diante do aumento de custos e de um consumidor mais exigente, as montadoras ajustaram suas estratégias. Elas passaram a priorizar modelos mais equipados, com maior valor agregado e, consequentemente, com maior potencial de lucratividade. Isso resultou no desaparecimento gradual das versões ultra-básicas, os “carros pé-de-boi”, que tinham margens de lucro mínimas ou inviáveis no novo cenário. As exigências atuais de segurança e emissões também impedem a produção de carros tão simplificados quanto os populares dos anos 1990.

O carro de entrada atual no Brasil é, objetivamente, um produto superior ao de uma década atrás: mais seguro, tecnológico e equipado. Contudo, seu custo o tornou financeiramente inacessível para uma grande parcela da população que antes via no carro popular a principal porta de entrada para a motorização.

Vivemos um paradoxo: o desenvolvimento e a melhoria do produto vieram acompanhados de um distanciamento da proposta original de “popularizar” o acesso ao automóvel. O futuro da mobilidade individual para as faixas de renda mais baixas dependerá cada vez mais de um mercado de veículos usados robusto e, possivelmente, de novas políticas públicas que busquem conciliar os necessários avanços tecnológicos e de segurança com a imperativa inclusão social no acesso ao transporte.

FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS

Receba Notícias Em Seu Celular

Quero receber notícias no whatsapp