Atenção: esta reportagem contém relatos que podem ser considerados perturbadores por alguns leitores.
Em meio aos escombros e à lama que restaram do deslizamento do Morro da Oficina, no bairro Alto da Serra, em Petrópolis (RJ), um homem busca há três dias pelo corpo do filho.
O rapaz de 18 anos estava com a avó, também desaparecida sob os destroços, em uma casa na parte inferior do morro, que veio abaixo sob a maior chuva que atingiu a região desde 1932.
Nesta quinta-feira (17/2), faz sol em Petrópolis, mas a previsão é de que pode voltar a chover mais tarde.
“Só saio daqui quando encontrá-lo”, diz Paulo Roberto de Oliveira, de 40 anos, assessor parlamentar.
Em meio à busca, Paulo convive com o horror da perda de outras pessoas: em algum momento, conta que encontrou em meio à lama uma perna humana, que desceu do morro junto aos restos de móveis e eletrodomésticos que um dia pertenceram a outros avós, pais e filhos.
“Nascido e criado em Petrópolis”, esta não é a primeira vez que o assessor tem a vida afetada pelos efeitos de eventos climáticos extremos na cidade.
Em 2011, ele perdeu a casa nas fortes chuvas que mataram mais de 900 pessoas na região serrana do Rio naquele ano. Na ocasião, toda a família dele ficou desabrigada, indo para centros de acolhida.
“Só não perdemos a vida”, conta Paulo à BBC News Brasil, acrescentando que, em 2011, 110 casas de seu bairro foram interditadas. “Mas quando você vai lá hoje está tudo invadido”, relata.
A história revela como a ocupação irregular em áreas de risco se perpetua, sem a ação do poder público.
“A Prefeitura está esperando morrer mais gente para fazer alguma coisa”, reclama Paulo.
Questionado de onde tira forças para estar ali, ele diz que é “só Deus”, que não há estrutura nenhuma. “Minha esperança é encontrar meu filho, para dar um enterro digno a ele. É o amor da minha vida”, afirma.
O volume de chuvas que caiu em Petrópolis na última terça-feira (15/2) foi o maior registrado na cidade nos últimos 90 anos pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), choveu na cidade 259,8 milímetros em 24 horas, maior volume registrado desde que têm início os registros, em 1932.
As chuvas desta semana superaram em muito o recorde anterior, de 168,2 milímetros registrados em 20 de agosto de 1952.
Nesta quinta-feira, os bombeiros ainda trabalham no resgate de corpos, que podem ampliar um número de mortos que já supera 100, nas contagens mais recentes, sendo ao menos oito crianças.
Moradores, parentes e amigos de vítimas tentam encontrar pessoas desaparecidas ou entrar nas casas para recuperar objetos.
Com uma enxada nas mãos, o feirante Luciano Gonçalves, de 26 anos, tenta ajudar.
Ele conta que não mora no bairro, mas perdeu seis ou sete amigos com as chuvas. No dia anterior, esteve em outros bairros auxiliando nos resgates, nesta quinta, veio para o Morro da Oficina, onde também perdeu amigos nas tempestades de 2011.
“Achar com vida vai ser difícil, mas pelo menos quero achar o corpo, para que as pessoas possam enterrar quem amam com dignidade”, diz o feirante.
Segundo ele, sobreviver a uma tragédia desse porte também é um sofrimento. “Mas vamos lutar, vamos tentar recomeçar”, diz.
Para quem perdeu amigos e familiares, as lembranças da forte chuva causam dor.
Sueli Alcântara perdeu cinco sobrinhos, uma delas grávida. “Perdi todos os meus vizinhos, do lado direito não sobrou uma casa”, conta Sueli.
Ela estava em casa quando a chuva começou. Após a casa do vizinho bloquear a dela, precisou sair pela janela e buscar abrigo do outro lado do morro.
Agora, cobra as autoridades. “Cadê vereador, cadê o prefeito? Não tem ninguém com uma enxada para ajudar a gente aqui agora. Cadê essa gente toda que fica pedindo voto pra gente?”
A crítica dos moradores com relação à resposta das autoridades é generalizada.
Com mais de 80 casas atingidas no Morro da Oficina, os moradores relatam que, na quarta-feira (16/2), havia muitos corpos no local e a estrutura de remoção era precária, com lençóis sendo usados para proteger os restos mortais, diante da falta de plásticos adequados.
Nesta quinta, além de dezenas de bombeiros, maquinário pesado, como escavadeiras, deverá ser utilizado para retirar a grande quantidade de entulho do local.
Na quarta-feira, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que há um déficit histórico na prevenção de desastres no estado e que “não se resolvem 20, 30, 40 anos em um ano” durante entrevista coletiva em Petrópolis.
A Prefeitura de Petrópolis decretou estado de calamidade pública. Nos hospitais, segundo a gestão local, as equipes foram reforçadas para atender as vítimas.
Na segunda-feira (14/2), o Cemaden havia alertado para o risco de fortes chuvas na região, com possibilidade de deslizamentos. No entanto, as áreas de perigo não foram evacuadas preventivamente.
FONTE BBC NEWS