Uma rota ligaria Araraquara a Campinas por 192 quilômetros de trilhos. Também seria possível embarcar em Codó (MA) e viajar até Altos (PI) ou de Conceição da Feira a Alagoinhas, na Bahia. Mas isso tudo só ficou no papel até hoje.
Os anúncios de estudos para a retomada de trens de passageiros, como os citados acima, se sucedem historicamente no Brasil nas últimas décadas, que no entanto só tem duas rotas regulares em operação e leiloou, em fevereiro, seu primeiro trem de média velocidade.
Há seis rotas em estudo hoje no país, mas ainda em processo embrionário, sem prazo e que dependem essencialmente de surgirem investidores interessados.
Os trens regionais nunca deixaram de estar na pauta do governo federal, mas também nunca se concretizaram. Um estudo feito nos anos 90 pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) mostrava que a ligação de Campinas a Araraquara era uma das mais viáveis do país.
A rota, que ligaria duas regiões ricas do estado mais rico do Brasil e, conforme o plano, poderia ser percorrida em uma hora e meia, voltou a aparecer em 2003, quando integrou o programa de resgate do transporte ferroviário de passageiros no primeiro ano do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quatro anos depois, um novo estudo citou a viabilidade. Não saiu do campo das ideias.
“Não há demanda entre Campinas e Araraquara para sustentar um trem. O trem tem de andar cheio e ter frequência para ser viável. O que funciona é transporte de massa com número alto de passageiros”, disse Hélio Gazetta Filho, diretor da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) Campinas e especialista no tema.
Outra questão é que, para saírem do papel, é preciso que os trens tenham investimentos dos governos federal e estadual, da iniciativa privada e participação das concessionárias de cargas. “São elas que têm a concessão do trecho. Dá para trabalhar juntos, segregar carga, mas tudo isso tem custo, mexer em linhas, cruzamentos, ramais, é complicado.”
Naquele mesmo 2007, o governo federal anunciou que lançaria edital para construir um trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, que faria o trajeto de 403 quilômetros em 85 minutos.
A Copa do Mundo de 2014 marcaria importantes obras de mobilidade e a inauguração desse sistema de alta velocidade, que a essa altura já tinha Campinas como ponto inicial e estações planejadas em São José dos Campos e Volta Redonda, com trajeto já em 511 quilômetros. Mas também não vingou.
Novas discussões surgiram em 2010, 2012 e, em 2014, o Ministério dos Transportes anunciou que estava em andamento um plano de revitalização das ferrovias com 14 trechos, de 40 quilômetros a 238 quilômetros de extensão.
No total, o país ganharia 2.574 quilômetros de ferrovias para passageiros. A menor, em Sergipe, ligaria São Cristóvão a Laranjeiras, passando por Aracaju, enquanto a maior, na Bahia, atenderia Conceição da Feira, Salvador e Alagoinhas. A previsão é que estivesse concluída em 2013. Porém, não existe até hoje.
Agora, o Ministério dos Transportes estuda a possibilidade de implantação de seis trechos dedicados ao transporte de passageiros. Até o momento, porém, não há confirmação de quais poderão ser de fato implantados nem definição prévia do modelo de negócio.
Dos seis em estudo, três estão no Nordeste, dois no Sul e um na região Centro-Oeste. Cinco são compostos por rotas estaduais -a exceção é Brasília-Luziânia, que envolve duas Unidades da Federação.
No Nordeste, estão em estudo os trechos Salvador-Feira de Santana (Bahia), Fortaleza-Sobral (Ceará) e São Luís-Itapecuru (Maranhão).
Os dois da região Sul poderão ligar Pelotas a Rio Grande (Rio Grande do Sul), e Londrina a Maringá (Paraná). No Centro-Oeste, o trem estudado atenderia a rota Brasília (DF)-Luziânia (GO). Somados, os projetos em estudo têm cerca de 700 quilômetros de trilhos.
Luziânia-Brasília já foi motivo, em 2015, de chamamento para estudos da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestres), sem vingar.
Segundo o ministério, como cada situação pode exigir um formato diferente, não há, por ora, definições sobre o modelo de negócio dos empreendimentos futuros. O entendimento do mercado, porém, é que todos devem sair via PPP (parcerias público-privadas), como será o trem que vai ligar São Paulo a Campinas.
“O Estado precisa recuperar a capacidade de investimento e é preciso também trazer o capital privado. A ideia do passado, de fazer autorizações no lugar de concessões, não sai do papel, pois não adianta imaginar que o empresário vai botar todo o dinheiro necessário numa infraestrutura desse tamanho”, disse José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias).
Integrante do grupo de trabalho de mobilidade da Presidência da República, ele disse que muitos dos projetos apresentados nas últimas décadas são viáveis, enquanto outros eram “absolutamente impraticáveis”.
“As rotas [em estudo atualmente] podem ser viabilizadas. O ideal é que os projetos estejam conectados com, por exemplo, a Ferrovia Norte-Sul ou com outras. Não podem ser ferrovias isoladas, para resolver um probleminha de um trânsito localizado. Nós temos que ser mais ambiciosos.”
Presidente da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), Vicente Abate disse acreditar no potencial do setor ferroviário, por ele ser promissor e estratégico para o país. “Entendo que isso tende a crescer ano a ano a partir de agora. Não por querer, mas por necessidade.”
Previsto no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o trem entre São Paulo e Campinas terá 101 quilômetros de extensão e ligará a estação da Barra Funda, na zona oeste da capital, ao centro da maior cidade do interior, com parada em Jundiaí.
O leilão foi vencido pelo consórcio C2 Mobilidade Sobre Trilhos, que ofereceu desconto de 0,01% no pagamento de R$ 8 bilhões que o Governo de São Paulo terá de fazer.
Encabeçado pela Comporte, holding ligada à família Constantino, fundadora da Gol, o consórcio foi formado em parceria com o gigante chinês CRRC, estatal que é a maior fabricante de suprimentos ferroviários do mundo.
A concessão terá duração de 30 anos e as obras devem durar cerca de sete anos -com as primeiras viagens das linhas paradoras em 2029 e o trem expresso operando em 2031.
As duas únicas rotas de passageiros em operação no país são operadas pela Vale. A Estrada de Ferro Vitória a Minas liga Cariacica (ES) a Belo Horizonte, enquanto a Estrada de Ferro Carajás atua entre São Luís e Parauapebas (PA). Gonçalves disse ainda que é preciso agir para “parar com essa tristeza de o Brasil não ter ferrovia”.
“Você vai no mundo inteiro e vê o mundo em cima de trilhos, e o Brasil não consegue fazer isso. Todos os esforços que virão serão bem-vindos, desde que não sejam para criar expectativas absolutamente irreais”.
FONTE DIÁRIO DO COMÉRCIO