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Operação Rejeito: Prefeitura de Ouro Preto atuou por agilidade em processo de licenciamento investigado pela PF

Administração local defendeu aval a projeto minerário na Serra do Botafogo; empresa responsável é liderada por alvos de inquérito

A Prefeitura de Ouro Preto tentou, junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), acelerar a aprovação de um licenciamento ambiental que, agora, é alvo de investigação da Polícia Federal (PF). O pedido foi feito em março de 2023, por meio de ofício assinado pelo prefeito Angelo Oswaldo (PV), solicitando “ágil análise e aprovação” do licenciamento do projeto de mineração da empresa Patrimônio Mineração na Serra do Botafogo, distrito da cidade da Região Central.​

O documento, obtido por O Fator, revela que a gestão municipal defendeu o empreendimento como uma “alternativa econômica para o Subdistrito de Botafogo”, prometendo 600 empregos diretos e receitas tributárias que seriam aplicadas em contenção de encostas. O projeto é investigado pela Operação Rejeito como um dos casos em que licenças ambientais teriam sido concedidas mediante propina e corrupção.​

Procurado pela reportagem, o Executivo municipal informou que a recomendação enviada ao governo do estado tinha como foco o “interesse no desenvolvimento econômico e social da cidade, com o respeito à lei, ao meio ambiente e à população”. (Leia o posicionamento na íntegra na parte final desta matéria).

A Serra do Botafogo, onde a Patrimônio Mineração pretende explorar minério em larga escala, é reconhecida por seu valor ambiental, histórico e cultural. A área está no centro de uma disputa: tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o Projeto de Lei nº 1.116/2023, que busca o tombamento definitivo da serra.

A empresa responsável pelo empreendimento é sucessora da LC Participações e Consultoria e tem entre seus sócios pessoas identificadas pela PF como líderes do esquema investigado, como os empresários Helder Adriano de Freitas, João Alberto Paixão Lages e Felipe Lombardi Martins.

As investigações revelam que a Patrimônio Mineração começou a lavra mineral antes de obter a aprovação do Novo Plano de Aproveitamento Econômico junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), contrariando normas do setor.

Perícias identificaram que a empresa soterrou uma gruta na Serra do Botafogo. A cavidade subterrânea havia sido mapeada em estudos prévios, mas foi deliberadamente omitida nos documentos apresentados à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) durante o processo de licenciamento.

A organização criminosa também conseguiu alterar o Decreto Estadual nº 47.749/2019 por meio do decreto nº 48.935, publicado em 2 de novembro de 2024. A mudança isentou a mineradora do pagamento de uma multa obrigatória, removendo um obstáculo legal que impedia a concessão da licença.

Licença sem anuência do Iphan

O processo nº 4682/2021, mencionado pela prefeitura no ofício à secretaria, resultou na emissão do Certificado nº 4682 – Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC1) em 3 de fevereiro de 2025, com validade de dez anos. A modalidade permite que as licenças prévia, de instalação e de operação sejam concedidas simultaneamente.

A concessão envolveu, segundo a PF, condutas criminosas de servidores da Feam. Os diretores regionais Vitor Reis Salum Tavares e Fernando Baliani da Silva avocaram o processo sem apresentar justificativas técnicas ou administrativas que fundamentassem a medida.

Baliani assumiu o processo em 31 de janeiro de 2025 e emitiu a licença apenas três dias depois. A autorização foi concedida sem a manifestação conclusiva do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Mensagens revelam articulação

Trocas de mensagens obtidas pela investigação mostram articulação dos líderes do esquema com servidores públicos responsáveis pelo licenciamento. No dia em que o parecer técnico foi finalizado, em fevereiro deste ano, o então presidente da Feam, Rodrigo Gonçalves Franco, entrou em contato com João Alberto Lages informando que o documento estava “finalizado e encaminhado para decisão” e marcando uma reunião imediata. Na avaliação da PF, as conversas indicam tratativas paralelas ao rito formal do processo.

Horas depois, com a licença concedida, João Alberto Lages recebeu mensagens de parabéns do lobista Gilberto Henrique Horta de Carvalho, também alvo da operação, e agradeceu pela ajuda prestada.

Em dezembro de 2022, João Alberto já havia acionado Leandro César Ferreira de Carvalho, gerente regional da ANM investigado por omissão em irregularidades, pedindo que agilizasse o “assunto da Patrimônio”. Na mensagem, citou o artigo 107 da Resolução 37/2020 e solicitou que o projeto passasse a ter eficácia a partir de 2021.

Promessas de contrapartidas ao município

No ofício enviado à Semad em março de 2023, a Prefeitura de Ouro Preto mencionou que a mineradora se comprometeu com medidas compensatórias, incluindo o calçamento do Subdistrito de Botafogo e a requalificação urbanística da região do principal trevo de entrada da cidade.​

O documento argumentava que o empreendimento permitiria investimentos em infraestrutura, serviços públicos, turismo e preservação do patrimônio cultural e histórico, proporcionando melhor qualidade de vida para a comunidade.​

A Operação Rejeito investiga se a concessão do licenciamento ambiental foi viabilizada por meio de propina paga por empresas a servidores públicos, configurando um esquema de corrupção que beneficiou empreendimentos minerários em Minas Gerais.

O que diz a Prefeitura de Ouro Preto?

Em nota, a Prefeitura de Ouro Preto informou que “apoia todo empreendimento que vem para a cidade cumprindo o rito legal de instalação, que venha proporcionar a geração de emprego e renda para a população”.

O Executivo municipal, entretanto, lembrou que a prerrogativa de conceder licenças ambientais é do governo mineiro.

“A recomendação do Executivo Municipal visa, exclusivamente, o interesse no desenvolvimento econômico e social da cidade, com o respeito a Lei, ao meio ambiente e a população”, apontou.

FONTE: O FATOR

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