16 de julho de 2024 05:58

Mais da metade das cidades mineiras estão vulneráveis às mudanças climáticas e sob risco de desastres ambientais

Conforme o levantamento da FEAM, são 82 municípios com vulnerabilidade extrema, 115 com muito alta e 240 com alta

A cerca de 1.600 quilômetros do Rio Grande do Sul, onde 157 pessoas morreram e mais de meio milhão ficaram desalojadas em virtude das enchentes provocadas por chuvas extremas, São José da Lapa, na região Central de Minas Gerais, também se recupera das inundações que afetaram o município em janeiro deste ano. Em outro ponto do Estado, na região Norte, o problema é com a seca. Capelinha ainda convive com os impactos deste fenômeno que atingiu o município em dezembro de 2023. Foram 10 mil pessoas afetadas, sendo que 3,5 mil só conseguiram ter acesso a água por causa de caminhões pipa. Essas realidades são apenas um recorte de um grupo de 437 cidades de Minas que convivem com risco elevado de tragédias ambientais, seja pelo calor ou pela chuva. Ou seja, mais da metade dos municípios mineiros estão vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. 

“A natureza está sempre em busca do equilíbrio da temperatura. Se você tem esse aquecimento abrupto, pela emissão de gases de efeito estufa ou pelo desmatamento, a estabilidade vai se dar com esses fenômenos extremos”, alerta a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Anete Fernandes. De acordo com a especialista, esses fenômenos se intensificaram a partir da década de 90 e não estão mais restritos a regiões específicas. “Antigamente, quando tinha uma imagem de solo quebrado, a gente associava ao Nordeste. Porém, tivemos algo semelhante em 2014, na represa de Três Marias, no Triângulo Mineiro. Hoje é um problema global”, completa. 

De acordo com FEAM, 437 estão com vulnerabilidade alta, muito alta ou extrema às mudanças climáticas

O estudo que indica a quantidade de cidades vulneráveis às mudanças climáticas foi desenvolvido pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Conforme o levantamento, são 82 municípios com vulnerabilidade extrema, 115 com muito alta e 240 com alta. Outras 320 cidades foram avaliadas com risco moderado e 94 com relativamente baixo. Dois municípios não foram citados no estudo. O indicador serve como referência para ações de enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas para o governo do Estado.

Segundo o estudo, a vulnerabilidade ocorre por causa do crescimento populacional desordenado, da pobreza e da degradação ambiental. Essa classificação leva em conta questões como capacidade de adaptação em casos de eventos climáticos extremos, infraestrutura do município, nível de letramento da população como agente ativo na redução dos danos, recursos disponíveis para investimentos em ações de mitigação, entre outros.   

“Nossa cidade foi construída em um Vale, por isso temos muitas áreas de risco. Sempre tivemos muitos problemas com inundações e enxurradas, mas no ano passado o problema foi a seca”, conta a coordenadora da Defesa Civil de Capelinha, Karine Martins. Uma realidade semelhante à de São José da Lapa. “Nós temos muitas famílias vivendo às margens dos córregos, principalmente do Carrancas. Quando tem uma chuva mais intensa, ficamos em alerta por causa dessas famílias”, completa o secretário de Meio Ambiente do município, Iani Assis. 

As duas cidades, que possuem vulnerabilidade extrema às mudanças do clima, já decretaram situação de emergência por causa dos fenômenos naturais. São eventos como seca, estiagem, calor e chuva intensa que fizeram a situação de calamidade pública mais que dobrar no Estado durante a última década. De acordo com o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do Governo Federal, foram 186 decretos de emergência em 2013 e 465 em 2023 — o que representa um aumento de 150%.  

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) afirma que monitora a situação de vulnerabilidade das cidades em relação aos efeitos da mudança do clima. Para tal, desenvolveu o Plano de Ação Climática de Minas Gerais (PLAC-MG), que conta com 28 ações. Essas iniciativas buscam mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar os municípios para que estes se tornem resistentes aos fenômenos extremos. O Estado, no entanto, não informa qual o valor investido em programas relacionados às mudanças climáticas.  

“É fundamental que o poder público tenha o PLAC, o clima já mudou, é uma realidade. Essa agenda climática conversa com a agenda da saúde. As cidades precisam ter mais verde e investir na preservação dessas áreas”, destaca o diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luiz Fernando Pinto. Segundo ele, o desmatamento ajuda a justificar a condição de vulnerabilidade dos municípios mineiros e o aumento de decretos emergenciais na última década. “O desmatamento gera emissão de gás de efeito estufa e acentua o problema. Cortando floresta, estamos diminuindo a capacidade de resistir a esses eventos”, explica.  

Desmatamento cresce 90% em Minas Gerais 

Uma das ações previstas no PLAC-MG é acabar com o desmatamento ilegal nos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica até 2028. A medida é considerada imprescindível para que o Estado consiga alcançar a principal meta do programa: a neutralidade de emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050. No entanto, segundo o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD), do Mapbiomas, a média de área desmatada anualmente em Minas Gerais aumentou 90,86% entre 2019 e 2022. 

O estudo apontou que a média foi de 26.434 hectares no primeiro ano do período analisado. Já em 2022, a média saltou para 50.454. “Uma chuva extrema tem menos risco quando atinge uma região mais verde. A gente precisa de áreas com árvores nas cidades. Essa é uma necessidade, e não uma opção”, alerta o diretor da SOS Mata Atlântica, Luiz Fernando Pinto. 

A Semad não aponta quais os motivos para o aumento do desmatamento no Estado. No entanto, garante que o Governo de Minas tem trabalhado “intensamente nos últimos anos para combater” a remoção de vegetação nativa. No ano passado, a pasta realizou mais de 47 mil ações de fiscalização, o que representa um aumento de 24% em relação a 2022. Também foi apresentado o programa “Minas contra o desmatamento”, em parceria com municípios. “Nos primeiros oito meses de 2023, houve uma redução de 62% no desmatamento da Mata Atlântica. Também houve redução de 12% na área suprimida do Cerrado”, garante em nota. 

Para Luiz Fernando Pinto, o poder público precisa reforçar o compromisso com a preservação do meio ambiente e “já não pode mais negligenciar” os impactos consequentes dos eventos extremos. “As cidades têm mudanças a serem feitas. Algumas baseadas na natureza e outras em soluções de engenharia. É investir no plantio, substituir o asfalto pelo verde, retirar pessoas de áreas de riscos. São novas políticas, e não podemos mais perder tempo”, finaliza. 

Reorganização das cidades 

Na contramão da maior parte das capitais brasileiras, Belo Horizonte está em um seleto grupo que possui um Plano Local de Ação Climática (PLAC). Conforme o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), das 27 capitais no país, incluindo o Distrito Federal, apenas 12 possuem o plano. “As emergências climáticas são uma realidade, e exigem que essas ações sejam aceleradas”, avalia o diretor de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Belo Horizonte, Dany Amaral. 

Aumentar e preservar as áreas verdes na cidade é uma das ações previstas no PLAC-BH. A medida, segundo o documento, é considerada fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 40% até 2040, índice que deve ser zerado em 2050. Assim como na média do Estado, esse é um desafio também em BH, onde 7.326 árvores foram cortadas em 2023. quantidade foi a maior dos últimos quatro anos, como já mostrado por O TEMPO. A justificativa dada pela prefeitura é necessidade de manter a segurança pelo risco de queda e adoecimento das raízes, e como forma de compensação foi feito o plantio de 24.830 mudas.  

O Plano também prevê a adaptação da cidade aos eventos extremos, principalmente em relação a chuva. São recomendadas obras de infraestrutura, como a instalação de bacias de contenção em áreas sujeitas a enchentes, como as que foram feitas nas avenidas Vilarinho, na região de Venda Nova, e Tereza Cristina, na região Oeste. Conhecidas pelo histórico de alagamentos, elas passaram ilesas pelo período chuvoso 2023/2024

Belo Horizonte é uma das 12 capitais brasileiras que possuem Plano Local de Ação Climática (PLAC)

“Quase 60% das emissões são do transporte. Nosso desafio não é diferente das outras cidades: trabalhar o transporte. É encontrar uma forma mais sustentável, e incentivar o sistema público”, detalha Amaral. Segundo o responsável pela execução do programa na capital, o cuidado com o lixo também é uma das premissas. “Nós temos uma política em desenvolvimento e que deve ser implementada nos próximos anos. Mas é algo que passa também pela educação da sociedade”, afirma.

De acordo com a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), somente nos três primeiros deste ano, mais de 170 mil toneladas de resíduos foram recolhidas na cidade. Deste total, apenas 18% são recolhidos na coleta seletiva. 

PLAC-BH prevê a instalação de pontos de refúgio climático. Foto: João Godinho / O Tempo

Proposta semelhante possui a cidade de Contagem, na região metropolitana. O PLAC do município está em desenvolvimento, e deve ser concluído neste ano. “Temos um diagnóstico da cidade, com as regiões mais quentes, com maior risco de inundação. Mas enquanto esse plano não é consolidado, temos feito algumas ações como a implantação de usina fotovoltaica, jardins de chuva em parques, entre outras medidas. Na cidade, o nosso grande desafio é a chuva”, afirma a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Maria Thereza Camisão Mesquita.  

Ainda de acordo com a responsável pela pasta, o município possui um levantamento que permite monitorar as regiões que podem ter mais impactos com os eventos climáticos extremos. “É um estudo que nos orienta sobre como agir. Mas precisamos ter esse compromisso com os cuidados com o clima para que esses eventos, de chuva intensa ou calor extremo, sejam frequentes”, finaliza. 

FONTE O TEMPO

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