Desde 2019, mais de 4 mil bombeiros participaram da maior operação de buscas do país. Por causa das chuvas que castigaram MG, trabalhos em Brumadinho estão interrompidos
Seis famílias ainda vivem a angústia que começou no dia 25 de janeiro de 2019. Para elas, o tempo tem corrido de um jeito diferente. Três anos após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), elas ainda esperam encontrar suas joias.
“É uma ferida que jamais vai cicatrizar. É muito triste para uma mãe e um pai perder um filho. Agora, perder um filho do jeito que a gente perdeu, ninguém merece passar por essa dor. A gente dorme, a gente acorda esperando uma ligação do IML avisando que meu filho foi identificado”.
Esse o desabafo da técnica de enfermagem Lúcia Aparecida Mendes Silva, mãe de Tiago Tadeu Mendes da Silva. (Leia mais sobre a história dos desaparecidos ao fim da reportagem).
Patrícia Borelli acompanhou a tragédia pelo noticiário e nem imaginou que a mãe estaria entre os 270 mortos. Maria de Lurdes da Costa Bueno era uma das hóspedes da Pousada Nova Estância.
“Ela não comentou que viajaria para Brumadinho. Ela estava junto com o marido e os filhos dele. A viagem era para celebrar a vida e acabou desse jeito”, lamenta.
Patrícia mora nos Estados Unidos e ficou 20 dias em Minas Gerais na expectativa de encontrar o corpo da mãe. Três anos depois, esse ciclo de luto ainda não se encerrou.
“A gente vive a tristeza duas vezes. Primeiro por ter perdido nossas joias de um jeito bárbaro e cruel. E segundo porque é preciso encerrar do jeito que ela merece. Ali não é lugar dela. Ela está na lama e não merece ficar naquele lugar”, diz.
Buscas interrompidas
A área atingida pelo rejeito de minério virou um grande canteiro. Máquinas e tratores fazem a limpeza do local praticamente durante todo o dia. No início do ano, a chuva que caiu em Brumadinho forçou o Corpo de Bombeiros a interromper as buscas.
“O trabalho deve ser retomado a partir do dia 8, 9 de fevereiro. Nesse momento estão sendo realizadas intervenções para garantir a estabilidade e a segurança dos militares, mas o planejamento e acompanhamento dessas ações continuam”, afirma o tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais.
Desde o dia 25 de janeiro de 2019, a operação em Brumadinho só tinha sido suspensa em dois momentos. O primeiro, de março a agosto de 2020, e o segundo, de março a agosto de 2021, em cumprimento a determinação do Comitê de Enfrentamento à Covid do estado. Nos dois períodos, Minas Gerais enfrentava, até então, as fases mais críticas da pandemia.
De acordo com a corporação, cerca de 4,2 mil bombeiros já atuaram nas buscas em Brumadinho. O trabalho não tem data para terminar. O compromisso dos militares é devolver às famílias todas as vítimas da tragédia.
No retorno das buscas, as equipes do Corpo de Bombeiros vão contar com esteiras desenvolvidas exclusivamente para a operação. As estações já estão sendo montadas e podem ajudar na localização dos corpos, agilizando as tarefas.
“Sem essa despedida é uma morte a conta-gotas. A gente entende que devolver essas joias para as famílias é a conclusão de um ciclo. E desde então, essa sempre foi a nossa missão”, afirma Aihara.
Identificação
Em Belo Horizonte, o trabalho de identificação também continua. Em três anos, 264 vítimas localizadas foram identificadas.
Até o dia 10 de janeiro, 900 casos foram solucionados. Isso representa 94% de todos os materiais que chegaram ao Instituto Médico-Legal (IML). De acordo com a Polícia Civil, nesses casos, estão incluídos as identificações, reidentificações e segmentos não humanos.
“A sensação de entrar aqui e ver o Instituto Médico-Legal coberto de lama, de encontrar todas as mesas de necropsia, todos os materiais cobertos por uma lama que não era de terra. Era uma lama de ferro. Aquela imagem está bem viva na minha cabeça, era um outro lugar”, relembra o medico-legista Ricardo Moreira, que chefiava a equipe do IML na época do rompimento.
Sessenta e um casos estão sob análise. Em nota, a Polícia Civil afirmou que eles já “foram examinados e periciados, mas sua identificação não foi possível por outros métodos (papiloscopia, odontologia, antropologia) e seguem para exame de DNA”. Na fase atual, cerca de 30 servidores são responsáveis pelo trabalho de identificação.
Joias ainda não encontradas
- Tiago Tadeu Mendes da Silva
Tiago Tadeu Mendes da Silva, de 34 anos, tinha acabado de se formar em engenharia mecânica. Os estudos, feitos com muito suor e dedicação, foram celebrados pela família. O convite de formatura é como um diploma para a técnica de enfermagem Lúcia Aparecida Mendes Silva, mãe de Tiago.
“Ele trabalhava na mina de Sarzedo e veio transferido para Brumadinho 20 dias antes de morrer. Ele veio para a morte. Para nós, a faculdade dele foi um sonho. Para ele, uma expectativa de melhorar no emprego. Veio para trabalhar como engenheiro e não voltou mais”, conta Lúcia.
Tiago era o mais velho de três filhos. A paixão pelo Galo ele nunca escondeu. Fazia questão de publicar fotos com a camisa do time preferido. Deixou esposa e duas crianças: uma menina e um menino, que na época tinha oito meses.
“As crianças são o nosso maior incentivo para continuar, para seguir. A gente vive por causa dos netos. São os amores da minha vida. A gente vê nas crianças ele. É o nosso conforto”, diz a mãe.
- Nathália de Oliveira Porto Araújo
Da porta de casa, a mãe de criação de Nathália olha para o horizonte e vê o local exato onde ficava a mina da Vale que se rompeu. E ali, sentada no sofá, ela passa boa parte das horas do dia como se esperasse pela filha.
“Nathália era muito assim, carinhosa com a gente. Tudo que ela fazia, ela falava comigo. Ela ia e falava onde ia. Trabalhadeira. A gente não esquece hora nenhuma da pessoa que a gente ama”, conta a aposentada Maria Oliveira.
Nathália Porto tinha 25 anos. Trabalhar na mineradora era um sonho antigo e, para ela, sinônimo de estabilidade. Conseguiu entrar como estagiária e o salário era usado para construir a casa própria. Deixou dois filhos e o marido, com quem conversou pela última vez momentos antes de morrer.
“Na hora do almoço ela ligou para o Jorge [marido de Nathália] para falar sobre a caixa d’água e a construção. Aí de repente ela disse: ‘Jorge está estremecendo tudo, tá fazendo o maior barulho, não sei o que está acontecendo’. Ele conta para gente que, antes de a ligação cair, ela gritou: ‘Deus me dá o livramento’. Aí acabou, nunca mais e até hoje a gente vive na expectativa de poder enterrar o corpo dela com dignidade”, diz Tânia Efigênia Queiroz, prima de Nathália.
- Maria de Lurdes da Costa Bueno
Maria de Lurdes tinha 59 anos e morava em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. Ela foi passear em Brumadinho com o marido e os enteados. Seria um fim de semana para conhecer o Inhotim e para descansar na Pousada Nova Estância. O sossego foi interrompido pela tragédia. Ninguém da família sobreviveu.
“Todo dia eu penso na tragédia, no que aconteceu, a gente não consegue não pensar. Minha mãe era uma pessoa de bem com a vida e que fazia questão de receber bem as pessoas. É uma dor devastadora. Quando eu cheguei no Brasil, na época do rompimento, eu quis ir ao local para ver de perto o tamanho da devastação e tentar entender o que tinha acontecido”, conta a filha de Maria de Lurdes, Patrícia Borelli.
Mesmo de longe, a consultora acompanha as informações sobre o trabalho de identificação em Brumadinho.
“A lama não é o lugar deles. Por isso é muito importante esse trabalho e não pode ser interrompido até que todas as famílias recebam suas joias. Enquanto esse ciclo não se encerra, vivemos um luto dobrado. Pela ausência e por não poder despedir dos nossos parentes do jeito que tem que ser”, lamenta.
- Olímpio Gomes Pinto
Licão era auxiliar de sondagem. Ele e mais quatro colegas de trabalho estavam no nono andar da barragem, quando a estrutura se rompeu.
“A gente estava saindo para almoçar. Aí num piscar de olhos todo mundo sumiu, um da frente do outro. Aí, eu pulei de lado, na hora afundou tudo e eu não vi mais nada. Me deu um aperto no peito e eu só pensei: acabou tudo”, relembra Lieuzo dos Santos, 57 anos, único sobrevivente do grupo.
Olímpio Gomes Pinto tinha 56 anos. Deixou a mulher, com quem era casado por mais de trinta anos, e filhos. Morava em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O g1 não conseguiu contato com a família de Olímpio.
- Cristiane Antunes Campos
Cristiane entrou na Vale como motorista de caminhão e viu na empresa a oportunidade de crescer profissionalmente. Fez curso técnico em mineração e passou a ser supervisora de mina. Ela tinha 34 anos na época da tragédia e trabalhava havia dez na Vale.
O parentes de Cristiane preferiram não dar entrevista.
- Luís Felipe Alves
Para os amigos mais próximos, Luís Felipe Alves tinha o apelido carinhoso de “pivet”. Ele nasceu em Jundiaí, em São Paulo, e se mudou para Brumadinho três meses antes do rompimento da barragem. Ele trabalhava no setor administrativo da Vale.
Nas redes sociais, o rapaz de 30 anos não escondia o seu amor pela bola. Era apaixonado pelo Paulista Futebol Clube, o Paulista de Jundiaí, time de 112 anos, que disputa a série B da principal competição de futebol do estado de São Paulo.
Os parentes Luís também não quiseram dar entrevista.
FONTE G1