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Lítio do Brasil ganha espaço no mercado global e transforma região em MG

Vale do Jequitinhonha atrai empresários de mineração, que querem torná-lo o “Vale do Lítio”

O Vale do Jequitinhonha (MG), extensão remota de colinas, montanhas arbustivas e estradas poeirentas, era tão pobre que era conhecido como “Vale da Miséria”. Agora, políticos locais e empresários de mineração sonham em vê-lo conhecido por um nome diferente: Vale do Lítio.

A descoberta de depósitos significativos do metal branco prateado transformou esse canto do nordeste de Minas Gerais em um ponto-chave na busca global pelo ingrediente essencial de baterias recarregáveis, fonte de alimento de smartphones, notebooks e veículos elétricos.

Em Araçuaí (MG), um município de 34 mil habitantes, há uma mina recém-aberta operada pela Sigma Lithium, listada em Toronto, com prédios que surgem como evidência do dinheiro e forasteiros inundando a região. “Era sempre uma cidadezinha tranquila. Agora, há tanto movimento”, diz Pedro Martins Lage, cujo hotel familiar está dobrando número de quartos. “Não vai voltar ao que era antes.”

A grande esperança do ensolarado e árido Vale do Jequitinhonha —com duas vezes o tamanho da Suíça e com população de cerca de 1 milhão de habitantes— é que o recurso natural possa transformar sua sorte. Com várias outras empresas prospectando na área, investimentos de R$ 6,8 bilhões foram prometidos nos últimos cinco anos, dizem autoridades estaduais.

Os depósitos do Vale do Jequitinhonha dão ao Brasil a chance de ser um fornecedor-chave, avalia Daniel Jimenez, sócio-fundador da consultoria iLiMarkets. “Há um potencial de exploração inexplorado lá”, diz ele. Minas Gerais é “uma jurisdição de mineração muito favorável”, completa.

Moradores do Vale costumavam viajar para trabalhar, mas habitantes de Araçuaí dizem que o lítio e o comércio que ele estimulou —desde acomodações até catering— estão tornando isso coisa do passado. “Agora, as pessoas só saem se quiserem”, diz Eliana Pereira dos Santos, sovando a massa dos salgados que faz para viver em sua cozinha.

Através de um esquema de microcrédito administrado para mulheres locais pela Sigma Lithium, ela recebeu um empréstimo de R$ 2.000 para substituir um forno quebrado e diz que suas vendas aumentaram 70%: “Vejo um futuro brilhante aqui. Acredito que será uma cidade de primeiro mundo. Todos sairão ganhando”.

Ao lado da empolgação, estão as tensões típicas de uma cidade em expansão, com alguns moradores apontando para um aumento do custo de vida. Outros se preocupam com os serviços públicos e até que ponto a nova riqueza se espalhará pela cidade.

Gilvan Gomes Caldeira, servindo bebidas em um quiosque de uma estação de ônibus, está feliz que seu filho tenha encontrado trabalho no mercado de lítio, mas os aumentos de aluguel significam que sua filha não consegue encontrar um lugar para morar. Muitos empregos estão sendo criados, diz ele, mas os proprietários não querem alugar para os locais. “Sempre estivemos no fim do mundo em nossa cidadezinha, mas não mais.”

Nas décadas anteriores, o lítio era extraído pela Companhia Brasileira do Lítio em pequena escala. Nos últimos cinco anos, no entanto, a empresa quadruplicou sua produção anual.

O projeto Grota do Cirilo da Sigma Lithium, que enviou seu primeiro carregamento de concentrado de lítio há quase um ano com destino à China, é considerado um divisor de águas. A empresa foi a sexta maior fornecedora de lítio primário globalmente em 2023, diz a consultoria de commodities CRU.

De pé, em cima de uma pedreira, onde escavadeiras amarelas são usadas, a diretora executiva Ana Cabral-Gardner explica por que a Sigma chama seu produto de “verde”. Ela não usa água potável ou produtos químicos perigosos em sua planta de processamento, que funciona com energia renovável. Também não há barragens de rejeitos —estruturas para armazenar resíduos de mineração, duas das quais se romperam com efeitos devastadores em outras partes de Minas Gerais ao longo da última década.

“Nos tornamos um exemplo do que o Brasil pode ser neste novo processo de industrialização do século XXI”, diz ela, observando que a Sigma criou mil empregos, com 85% da força de trabalho sendo local. A maioria vivia fora da região e foi recrutada por meio de uma campanha de “retorno ao lar”.

No entanto, na vila de encosta de Piauí Poço Dantas (MG), com vista para o local, alguns moradores reclamam do impacto ambiental. “Há tanto barulho e poeira”, diz um deles, “piorou a qualidade de vida. Estamos muito insatisfeitos com a situação”.

A Sigma diz que monitora ruído, vibração e poeira e que os níveis estão “significativamente abaixo” dos limites legais e padrões de melhores práticas. Ela aponta para renovação de uma escola local e uma instalação esportiva como evidência de seu engajamento cívico.

Ainda assim, há preocupações mais amplas sobre se a região está preparada para lidar com um grande aumento na atividade mineral. A pesquisadora Aline Weber Sulzbacher, da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri), diz que os preços mais altos levaram algumas famílias a se mudarem para as periferias de Araçuaí. Ela afirma que “a rápida deterioração das rodovias e o aumento da demanda no sistema de saúde”.

Os visitantes precisam apenas percorrer os 45 km da rodovia federal entre Araçuaí e o município vizinho de Itinga (MG). Os carros ziguezagueiam para evitar enormes buracos, que os motoristas atribuem aos caminhões carregados de toras para as fábricas de celulose.

“Também há temores sobre a segurança pública, porque éramos uma cidade pequena praticamente sem nada e de repente há todo esse dinheiro e mineração”, diz o prefeito de Itinga, João Bosco.

Ele está otimista de que as vendas de lítio, a longo prazo, ajudarão a financiar serviços públicos como saneamento, saúde e educação. “Seremos capazes de pensar em reservas financeiras para criar um fundo soberano regional.”

A commodity continua vulnerável à volatilidade do mercado, no entanto. Quedas acentuadas nos preços do lítio —ligadas a uma desaceleração nas vendas de veículos elétricos— causaram “decepção”, admite o político local. O valor do lítio caiu cerca de 80% de um pico de cerca de US$ 15.000 por tonelada no final de 2022, diz o grupo de dados Benchmark Mineral Intelligence.

Mas a Sigma Lithium parece não se abalar. Recentemente, ela revelou planos para aumentar significativamente a capacidade de produção anual.

E outra empresa, a americana Atlas Lithium, pretende iniciar a produção em Araçuaí até o final de 2024. “O Vale do Jequitinhonha tem o potencial de se tornar um dos produtores mais eficientes do mundo”, argumenta o CEO Marc Fogassa.

 

FONTE FOLHA DE SÃO PAULO

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